sexta-feira, 5 de agosto de 2011

crônica da semana - aquém do horizonte



Às vezes acho mesmo que comi manga com febre. Me bato com cada coisa. Reles haveres, fazeres Permeáveis, ocupações fugazes. Sofro por isso. Perco sono. Quedo-me enfastiado e ausente. Quando implico com uma coisa, não tem quem me faça desvanecer. Fuço, me emboleto nas pistas, nos sinais, até conseguir um resultado. E é tão grave a minha cisma que por vezes, fico meio pateta. Olha que as vistas ardem às pampas agora, enquanto escrevo esta crônica porque fui comprar o colírio do uso, dia desses e, simplesmente, por dispersar o pensamento, no caminho para a farmácia, mirando a constelação do Cruzeiro do Sul, esqueci o nome do remédio. Pois foi: na ocasião, esqueci, inclusive, o que fui fazer na farmácia, tanto que estava mundeado com a nitidez da cruz no céu. Cheguei lá, olhei uma coisa, outra, apreciei um programa na TV de plasma no alto do balcão, borrifei um desodorante barato no antebraço e achei bom, folheei um encarte que lembrou o Almanaque Fontoura, mas tava anuviado, sem um quê pra dizer. A vendedora quis me ajudar. Perguntou o que me apetecia. Eu, sem saber a minha precisão, pensei em algum comprimido, algum remedinho comum que começasse com a letra A. Ela, respondendo a instintos, me aviou um Anador. Eu me dei por satisfeito e agora me questiono sobre a serventia daquele envelopinho ali, intocado, no canto do rack. Meus olhos ardem de marré e desde aquele dia o remédio tomou doril da minha memória (sei que começa com A. Alguém de vós, leitores, conheceis um colírio que comece com a letra A? Acudam-me e me voltem, se souberem). Este embaraço todo, de dordolho sem cuidado, tem, porém, uma razão justa de estar. É que uma das minhas tenras curiosidades do momento consiste exatamente na evolução do Cruzeiro do Sul. É uma constelação espetacular. Tem um movimento fashion. Só seu. As constelações do zodíaco fazem um percurso tradicional: nascem no Leste e se põem no Oeste. O Cruzeiro do Sul, não. Está numa posição tal, com relação à terra que se pode dizer que flutua sobre nossas cabeças. Bem em cima do nosso cocuruto. Não acompanha o traçado da abóbada celeste. Gira como o ponteiro de um relógio (Ah, houve, em algum momento, na história da civilização, uma coisa chamada relógio com ponteiro). E nem é esta a comparação mais perfeita. Pera lá: sabe aqueles moleques que no São João amarravam a palha de aço acesa no barbante, rodavam em torno de sua cabeças (valendo-se da força centrífuga) e provocavam um círculo de fogo. É mais ou menos assim. A cruz do Cruzeiro traça um círculo no céu. Pode reparar. No início da noite, a cruz está em pé’zinha, brilhando aqui do nosso lado direito. Com o passar das horas, ela vai deitando, deitando...Até tocar no horizonte. E se a gente conseguisse discernir alguma coisa nessa atmosfera extensa e densa, veríamos no meio da madrugada, a cruz de cabeça pra baixo, já do nosso lado esquerdo (para saber quem é lado direito ou esquerdo, basta ter como referência uma árvore, uma casa, ou outro elemento da paisagem. Eu uso uma estrela bem brilhante ali de perto, pra isso). E depois, ela, a cruz, voltar subindo, se ajeitando, deitando de novo, no ponto mais alto do círculo imaginário, até tornar em pé’zinha para o lado direito outra vez (não vemos a cruz de cabeça pra baixo, também, porque quase a totalidade deste movimento ‘canhoto’ muito doido acontece durante o dia, e com o encadeamento do sol, não tem combate, né). Este movimento, que se realiza dia após dia, é que, por ora, me entontece.
Ah, ia falar alguma coisa sobre o horizonte, n’era? Mas, tá vendo só, esqueci.

Um comentário:

  1. tem que ser com a letra A? por que vc não usa o moura? aquele da caixinha azul!!!! ahh e come peixe que faz bem pra memória. boa semana.

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