sábado, 10 de maio de 2025

crônica da semana - os jetsons

 Os Jetsons

Tem uma pá de coisas neste mundo doido que já está demais. O calor é de torrar os miolos. Guerras e covardias bélicas destruindo vidas inocentes, um povinho aí que mente que não se sente; e um espaço interior que nem é mais interior, não é mais nosso íntimo, nem em pensamento. Destaco por ação da Inteligência Artificial, dos algoritmos nossa alma sendo, sem resistência, sequestrada.

Deixa estar que eu folgava na minha caminhada rotineira com o fone de ouvindo ligado numa programação aleatória na plataforma de música; e trabalhava também um pensamento paralelo articulando uma homenagem à minha companheira por ocasião de nova primavera naquele dia. Respirando fundo, soltando o ar devagar ao sabor das passadas ritmadas. Imaginei, para a homenagem, uma postagem com uma foto bem bonita e ao fundo uma música que representasse nossos sentimentos. Me veio uma canção do Chico César: “É só pensar em você/que muda o dia”. Tudo a ver. Demonstração musical de carinho.

Tudo isso, sendo operacionalizado na cabeça, na imaginação, no meu pensamento.

Não é que de repente a mesmíssima música me toca na play aleatória que eu estava ouvindo! Ao perceber os primeiros acordes pensei cá com meus exercícios acelerados de respiração: Égua-te! Do nada o algoritmo capta nossas intenções.Vai direto no pensamento, sequer carece de manifestações concretas para que nossas intimidades sejam alienadas de nós. Eu fiquei passado com aquilo, olha. Cadê nossa liberdade de impressão?

Este mundo de alta tecnologia está me saindo além da encomenda. Fururuca nossa vida toda.

Pensar que umas décadas atrás, inocentes menções, singelas representações de futuro eram vistas de forma descrente, estampavam uma evidente ficção.

Agora, com parte da família morando fora, é comum a gente se falar pelas transmissões de vídeo no celular. E não dá outra, toda vez que pego o aparelho e interajo, me vem à memória o arremedo futurista de antigamente reproduzido pela família Jetson.

Os Jetsons formavam uma família localizada em um futuro que contava com muitos dos artifícios tecnológicos que temos hoje. Trata-se de uma série de desenho animado lançada em 1962. No Brasil ocupou espaço na TV até final da década de 80 do século passado. Atravessou eras exibindo um cenário futurístico, no início e até mesmo no finzinho dos anos 80, difícil de se imaginar possível. Um desses elementos tecnológicos que se evidenciava no seriado era exatamente a forma com que a família se comunicava quando estavam distantes uns dos outros. Utilizavam monitores, executavam um comando e a personagem aparecia na tela interagindo, conversando, estabelecendo uma comunicação verbal e visual na instantaneidade do tempo. Igual a conversa que temos hoje no celular.

Quando faço um contato com meu povo que mora fora de Belém, é inevitável comparar o estado atual de nossa comunicação com a singela menção futurista pregada pela série lá pelos entremeios das décadas de 60 e 80.

Dos avanços mostrados nos Jetsons, acho que apenas aqueles veículos voadores que a família usava para se deslocar pelos céus de uma cidade avançada, não temos ainda em circulação. Tantos outros elementos que compunham os episódios, hoje fazem parte do nosso cotidiano, inclusive a naturalização da Inteligência Artificial, na série, representada pela empregada robô Rosie. Servil autômata, extremamente eficiente, trabalhadora, programada para partilhar o sentimento comunitário, reagir emocionalmente e dar pitacos. De toda sorte, de poder atenuado, porque mesmo ali junto à família Jetson, não interpretava tendências, não elaborava algoritmos e também não executava comando como ler a mente dos seus tutores.

A modernidade tirou Rosie da parada. A gente não topa com robôs distribuídos pelos lares da vida. Não precisa desta interação física, a nossa submissão.

Basta a gente pensar que a música toca na play.

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