Os Jetsons
Tem
uma pá de coisas neste mundo doido que já está demais. O calor é de torrar os
miolos. Guerras e covardias bélicas destruindo vidas inocentes, um povinho aí
que mente que não se sente; e um espaço interior que nem é mais interior, não é
mais nosso íntimo, nem em pensamento. Destaco por ação da Inteligência
Artificial, dos algoritmos nossa alma sendo, sem resistência, sequestrada.
Deixa
estar que eu folgava na minha caminhada rotineira com o fone de ouvindo ligado
numa programação aleatória na plataforma de música; e trabalhava também um
pensamento paralelo articulando uma homenagem à minha companheira por ocasião de
nova primavera naquele dia. Respirando fundo, soltando o ar devagar ao sabor
das passadas ritmadas. Imaginei, para a homenagem, uma postagem com uma foto
bem bonita e ao fundo uma música que representasse nossos sentimentos. Me veio
uma canção do Chico César: “É só pensar em você/que muda o dia”. Tudo a ver.
Demonstração musical de carinho.
Tudo
isso, sendo operacionalizado na cabeça, na imaginação, no meu pensamento.
Não
é que de repente a mesmíssima música me toca na play aleatória que eu estava
ouvindo! Ao perceber os primeiros acordes pensei cá com meus exercícios acelerados
de respiração: Égua-te! Do nada o algoritmo capta nossas intenções.Vai direto
no pensamento, sequer carece de manifestações concretas para que nossas
intimidades sejam alienadas de nós. Eu fiquei passado com aquilo, olha. Cadê
nossa liberdade de impressão?
Este
mundo de alta tecnologia está me saindo além da encomenda. Fururuca nossa vida
toda.
Pensar
que umas décadas atrás, inocentes menções, singelas representações de futuro
eram vistas de forma descrente, estampavam uma evidente ficção.
Agora,
com parte da família morando fora, é comum a gente se falar pelas transmissões
de vídeo no celular. E não dá outra, toda vez que pego o aparelho e interajo,
me vem à memória o arremedo futurista de antigamente reproduzido pela família
Jetson.
Os
Jetsons formavam uma família localizada em um futuro que contava com muitos dos
artifícios tecnológicos que temos hoje. Trata-se de uma série de desenho
animado lançada em 1962. No Brasil ocupou espaço na TV até final da década de
80 do século passado. Atravessou eras exibindo um cenário futurístico, no
início e até mesmo no finzinho dos anos 80, difícil de se imaginar possível. Um
desses elementos tecnológicos que se evidenciava no seriado era exatamente a
forma com que a família se comunicava quando estavam distantes uns dos outros.
Utilizavam monitores, executavam um comando e a personagem aparecia na tela
interagindo, conversando, estabelecendo uma comunicação verbal e visual na
instantaneidade do tempo. Igual a conversa que temos hoje no celular.
Quando
faço um contato com meu povo que mora fora de Belém, é inevitável comparar o
estado atual de nossa comunicação com a singela menção futurista pregada pela
série lá pelos entremeios das décadas de 60 e 80.
Dos
avanços mostrados nos Jetsons, acho que apenas aqueles veículos voadores que a
família usava para se deslocar pelos céus de uma cidade avançada, não temos
ainda em circulação. Tantos outros elementos que compunham os episódios, hoje fazem
parte do nosso cotidiano, inclusive a naturalização da Inteligência Artificial,
na série, representada pela empregada robô Rosie. Servil autômata, extremamente
eficiente, trabalhadora, programada para partilhar o sentimento comunitário,
reagir emocionalmente e dar pitacos. De toda sorte, de poder atenuado, porque
mesmo ali junto à família Jetson, não interpretava tendências, não elaborava
algoritmos e também não executava comando como ler a mente dos seus tutores.
A
modernidade tirou Rosie da parada. A gente não topa com robôs distribuídos
pelos lares da vida. Não precisa desta interação física, a nossa submissão.
Basta
a gente pensar que a música toca na play.
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