domingo, 18 de maio de 2025

crônica da semana - amar e outros medos segunda temporada

 Amar e outros medos (segunda temporada)

Vez em vez, me pego visitando o longe (“a miragem”), e sem defesa, me vejo entregue a um comichão reflexivo impactante. Uma batucada em alta frequência faz vibrar a pergunta sem freio, sem barreira. Sincera, consciente, urgida em penosas certificações: Como é que a gente veio dar aqui?

O mês de maio me traz mais um ano contado. Me adianto além dos sessenta revendo meu traçado, revisitando e ousando entender esta desilusão histórica que faz minha geração chorar um olho, remelar outro e manter os dois bem abertos, atentos aos custos de uma  frustração, vigilantes aos remendos possíveis ainda de serem intentados, mesmo que suportados por um inclemente cansaço.

Eu por mim, jamais pensei, nesta dobra sessentona da vida, nesta nova temporada, passar por situações que para mim já estavam superadas, relegadas a um démodé nicho autoritário.

Em 1978, o Brasil empossava o último presidente da ditadura. As greves no ABC ganhavam força, o Brasil saía da Argentina se gabando do título de campeão moral da copa do mundo de futebol, e apesar das brisas de liberdade soprarem discretas pelos céus do Brasil, o regime ainda era uma pedrada, o cheiro do povo incomodava mais que o do cavalo e as bombas continuavam a explodir as resistências democráticas. Um tempo difícil.

A molecada do meu top, na Mauriti, fazia 15 anos.

Dali pra frente, minha turma foi ficando mais taludinha, as coisas foram se ajeitando no país tropical, a sociedade ia-se libertando de algumas das mais ajustadas e incômodas amarras. Um período de transição, de conhecimento, descobertas, reconstituição e releituras de mundo. Nessa época, mesmo no sufoco de uma luta intensa e em várias frentes, havia sinais de humanidade emergentes. Era regra de berço a comunidade abominar o nazismo, Hitler era uma figura desprezada. A educação, mesmo sob a batuta da ‘redentora’, sequer ousou melindrar os postulados científicos. A Terra era redonda, todo mundo entrava na fila para tomar a vacina contra a varíola e a negação não ultrapassava o campo dos advérbios mundanos. Os amores eram adolescentes, aquecidos, incontroláveis. Medo era arte sem serventia. Não contava na conta dos nossos dias. Se era pra amar, a gente amava. Se era pra sofrer de amor, a gente sofria. Caso as conseqüências, nos arrancassem fora o coração, por isso ficava. Tinha aquela música do Vicente Celestino que tocava no programa noturno do Joel Pereira e remendava qualquer coração dilacerado. Tudo valia a pena. Ninguém se largava pra sempre aos lamentos. Não se chorava sozinho por amor. Chorava-se cantando. E além do mais, tínhamos uma revolução pra cuidar.

Avançadas as aventuras, a luta continuava e me vi envolvido em conflitos excitados. Movimento operário, confronto entre capital/trabalho, mãe, filhos, mulher amada, família. Turbulências por cima de turbulências, pequenas alegrias, medo nenhum. Perda do amor de mãe. Perda de poder passageiro e frágil, campo democrático fluido de humores. Medo nenhum de solidão, de sofrer por lutar sem parar, medo nenhum de amar. A vida em veloz evolução. Preconceitos caindo aos montes, Resistências agindo, vozes sendo ouvidas.

Desde a última bomba detonada nas bancas de revistas em meados dos anos oitenta, o país vinha se reagrupando em valores mais humanos, em suspiros coletivos de alívio. Minha turma na Mauriti respirando ao peso do dever cumprido e do cansaço. Hora de uma forra.

Que nada, jamais pensei que, ao alcançar o longe, aquilo que parecia ser uma miragem para um moleque da Mauriti que só tinha o dia e a noite, nunca imaginei que no caminhar de 62 anos conquistados de vida, fosse sentir algo parecido com medo.

Nunca pensei um coração batucar de preocupação ao ver políticos em plena luz do dia, repetindo gestos e discursos nazistas para uma platéia de patriotas. Nunca pensei ser necessário, ter que domar o medo e começar tudo de novo.

 

2 comentários:

  1. O barco
    Meu coração não aguenta
    Tanta tormenta, alegria
    Meu coração não contenta...

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  2. É meu amigo, ainda iremos ter que enfrentar muitas provações em nossas vidas!!

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