Amar e outros medos (segunda temporada)
Vez
em vez, me pego visitando o longe (“a miragem”), e sem defesa, me vejo entregue
a um comichão reflexivo impactante. Uma batucada em alta frequência faz vibrar
a pergunta sem freio, sem barreira. Sincera, consciente, urgida em penosas
certificações: Como é que a gente veio dar aqui?
O
mês de maio me traz mais um ano contado. Me adianto além dos sessenta revendo
meu traçado, revisitando e ousando entender esta desilusão histórica que faz
minha geração chorar um olho, remelar outro e manter os dois bem abertos,
atentos aos custos de uma frustração,
vigilantes aos remendos possíveis ainda de serem intentados, mesmo que
suportados por um inclemente cansaço.
Eu
por mim, jamais pensei, nesta dobra sessentona da vida, nesta nova temporada, passar
por situações que para mim já estavam superadas, relegadas a um démodé nicho
autoritário.
Em
1978, o Brasil empossava o último presidente da ditadura. As greves no ABC
ganhavam força, o Brasil saía da Argentina se gabando do título de campeão
moral da copa do mundo de futebol, e apesar das brisas de liberdade soprarem
discretas pelos céus do Brasil, o regime ainda era uma pedrada, o cheiro do
povo incomodava mais que o do cavalo e as bombas continuavam a explodir as
resistências democráticas. Um tempo difícil.
A
molecada do meu top, na Mauriti, fazia 15 anos.
Dali
pra frente, minha turma foi ficando mais taludinha, as coisas foram se
ajeitando no país tropical, a sociedade ia-se libertando de algumas das mais
ajustadas e incômodas amarras. Um período de transição, de conhecimento,
descobertas, reconstituição e releituras de mundo. Nessa época, mesmo no sufoco
de uma luta intensa e em várias frentes, havia sinais de humanidade emergentes.
Era regra de berço a comunidade abominar o nazismo, Hitler era uma figura
desprezada. A educação, mesmo sob a batuta da ‘redentora’, sequer ousou
melindrar os postulados científicos. A Terra era redonda, todo mundo entrava na
fila para tomar a vacina contra a varíola e a negação não ultrapassava o campo
dos advérbios mundanos. Os amores eram adolescentes, aquecidos, incontroláveis.
Medo era arte sem serventia. Não contava na conta dos nossos dias. Se era pra
amar, a gente amava. Se era pra sofrer de amor, a gente sofria. Caso as conseqüências,
nos arrancassem fora o coração, por isso ficava. Tinha aquela música do Vicente
Celestino que tocava no programa noturno do Joel Pereira e remendava qualquer
coração dilacerado. Tudo valia a pena. Ninguém se largava pra sempre aos
lamentos. Não se chorava sozinho por amor. Chorava-se cantando. E além do mais,
tínhamos uma revolução pra cuidar.
Avançadas
as aventuras, a luta continuava e me vi envolvido em conflitos excitados.
Movimento operário, confronto entre capital/trabalho, mãe, filhos, mulher
amada, família. Turbulências por cima de turbulências, pequenas alegrias, medo
nenhum. Perda do amor de mãe. Perda de poder passageiro e frágil, campo
democrático fluido de humores. Medo nenhum de solidão, de sofrer por lutar sem
parar, medo nenhum de amar. A vida em veloz evolução. Preconceitos caindo aos
montes, Resistências agindo, vozes sendo ouvidas.
Desde
a última bomba detonada nas bancas de revistas em meados dos anos oitenta, o país
vinha se reagrupando em valores mais humanos, em suspiros coletivos de alívio.
Minha turma na Mauriti respirando ao peso do dever cumprido e do cansaço. Hora
de uma forra.
Que
nada, jamais pensei que, ao alcançar o longe, aquilo que parecia ser uma
miragem para um moleque da Mauriti que só tinha o dia e a noite, nunca imaginei
que no caminhar de 62 anos conquistados de vida, fosse sentir algo parecido com
medo.
Nunca
pensei um coração batucar de preocupação ao ver políticos em plena luz do dia,
repetindo gestos e discursos nazistas para uma platéia de patriotas. Nunca
pensei ser necessário, ter que domar o medo e começar tudo de novo.
O barco
ResponderExcluirMeu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta...
É meu amigo, ainda iremos ter que enfrentar muitas provações em nossas vidas!!
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