Saqueiro! Saqueiro!
A
principal atividade que realizavam era a de saqueiro. O produto era apregoado
em cada canto. Nas feiras do Ver-o-Peso, da Pedreira, Jurunas, da Bandeira
Branca. Vendiam um bem utilitário, não durável e advindo da reciclagem. O processo
de elaboração se dava a partir do descarte dos sacos de cimento. Era um papel
duro, vincado, grosso. A primeira fase contava com a escolha da face isenta de contaminação.
Juntados, os fardos eram transportados, moldados e colados em tamanho de uma
compra modesta na feira. Antes de ganhar a rua, ainda havia uma escala de
qualidade. Saco simples, forrado em folhas duplas ou completado com saco
plástico por fora, este, o saco do peixe. Dali eram distribuídos para os
garotos. Os meninos arrumavam um jeitinho de se compor com a maior quantidade
possível do produto. O método mais tradicional era uma peça de madeira linheira
ou um cabo de vassoura de não mais que 50 centímetros atado a uma alça de
barbante grosso nas duas extremidades, e que, lançada sobre o ombro, qual uma
bolsa tira-colo, formava um conjunto equilibrado de modo a receber sobre a peça
de madeira, os sacos dobrados uns sobre os outros em acamamento o certo que o
peso fosse suportável. Abastecidos, ganhavam o mundo atrás da venda para ajudar
ou mesmo para sustentar, como fonte única de renda, a família.
Mas
a batalha diária não se limitava à venda dos sacos na feira. Havia, por certo,
a concorrência, e a meninada corria atrás do di cumê de outras formas. Vendas
de doces e salgados em tabuleiros atados também ao pescoço; bombons, cigarros,
fósforos e outras precisões em bancas de esquina. Muitos recorriam aos
semáforos e simplesmente pediam uma ajuda ou se davam a pequenos furtos. Para
suportar as dores dos dias, não raro, quedavam-se ao alívio das colas de
sapateiro.
Quando
conheci mais de perto o trabalho da República do Pequeno Vendedor era a este universo
que os educadores se dedicavam. Se entregavam com método, solidariedade e
cuidado.
A
República era uma organização social criada, liderada, orientada pelo Padre
Bruno Sechi e suportada por uma legião de jovens incansáveis e inspirados. Muitos
desses jovens eram daqui das bandas da Pedreira, Sacramenta. Iniciaram na
missão através das campanhas de arrecadação de objetos usados, encaminhadas
pelo Movimento de Emaús. A Grande Coleta, que se realizava com enorme
repercussão a cada ano, era o suporte para as ações da República. Gerava
recurso e também trazia voluntários de outros bairros para adensar o grupo de
educadores e equipes de apoio.
As
violências, as carências as quais os meninos e meninas estavam vulneráveis,
eram identificadas no trabalho de rua, pelos educadores e resultavam em ações,
medidas legais de proteção, proposições de amparo social e também nas campanhas
de conscientização da comunidade, na expectativa que se tirasse das crianças os
fardos, os pesos.
Um
lugar onde aprender outros ofícios, senão aqueles da rua; ambiente seguro para
matar a fome e se restabelecer dos conflitos diários foram conquistados. Tive
experiências inesquecíveis na linha de frente. Acompanhei como se dava a
acolhida dos meninos no restaurante do colégio do Carmo, no espaço comunitário
da Padre Eutíquio e em pontos dispersos pelas ruas estreitas do cento de Belém.
O
ECA e algumas políticas atuais surgiram com a contribuição do trabalho do Padre
Bruno e equipe, com quem tive a honra de partilhar grandes momentos em favor
dos jovens e crianças batalhadoras.
Este
ano, o carnavalesco Eduardo Wagner Nunes, com a icoaraciense Boêmios da Vila
Famosa leva para a avenida um enredo que homenageia e conta a trajetória de
Padre Bruno, do Movimento de Emaús e das obras ligadas à defesa dos meninos e
meninas de rua. É a folia esclarecendo, rememorando, alimentando o desejo de
uma sociedade que transforme.
Perfeitas lembranças, cheguei participar, acho que de 3 campampanhas de Emaús.
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