Pavãozinho do Pará
Estou
lendo agora uma edição bem bacana de “Aruanda” e “Banho de cheiro” de Eneida.
Uma publicação bem bolada com as obras da escritora paraense marcadas por duas
capas e as versões se encontrando de ponta-cabeça, de formas que, se iniciamos
a leitura por “Aruanda”, ao terminar de ler a última crônica nos damos com os
textos de “Banho de cheiro” do fim para o começo, e de cabeça pra baixo. Aí a
gente vai e desvira o livro. Firme!
Eneida,
que é minha vizinha nominando praça aqui na Pedreira, indo em cima e vindo em
baixo no talento e no estilo, dá um banho de cheiro, de jeitos, modos e
lembranças em narrativas que ora comovem, ora nos fazem refletir e em muitos
casos nos põem lado a lado nas experiências. É o caso do Pavãozinho do Pará.
O
pavão, aquele engalanado, posudo e exuberante, pra mim é como diz o samba: não
sei, nunca vi, só ouço falar. Conheço só de fotos da National Geographic. Agora
este um do Pará, já estivemos nós dois, de palmo em cima.
A
grande cronista paraense, em algumas passagens das obras, faz citações, com
temperos nostálgicos, do pavão e até trata as cenas como se comum fosse topar
com um exemplar da ave ainda nos limites urbanos de Belém dos anos 20 e 30 do
século passado.
Por
aqui pela barra não vi não, mas em Rondônia, naquele início dos anos 80, no
meio do caminho em mata virgem e fechada, tive a sorte de ter como companhia um
pavãozinho. Com o direito a exibição do resplendor, bem modesto, com relação ao
outro tipo, entretanto contendo em si, um arranjo de cores belo, suave. Sem
aquela imponência vertical, comum ao mais famoso exemplar; mas de outra forma,
com uma doçura, e com assumida humildade, a cauda se abria expressada em uma
modéstia horizontal e encantadora, à minha vista. Naquele dia não sabia que
tipo de ave era aquela, mas na óbvia dedução, imaginei ser um pavão. Ali, do
segundo grupo de paletas. Mas, de certo, um pavão.
Este
caminho era minha prova diária de coragem. Sem exagero, era uma brenha. Um ermo
estirado e imprevisível. Andava por ali duas vezes ao dia. Pela manhã, quando
me deslocava da vila em que morava para meu acampamento de pesquisa e, na volta
à tarde, já com o canto da Guariba ao longe e o fiu fiu do Cricrió celebrando a
brisazinha mais aquela de amena, no final do dia.
Era
uma opção minha fazer esta caminhada que durava em torno de uma hora pela mata
densa, em passadas de bom ritmo. Um varadouro que arriscava ensejar toda a
sorte de encontros. Desde aqueles miúdos com as audaciosas formigas saca-saia
até os empoderados, com as temidas onças caçadoras. Escapei de todos os
indesejados. E, num dia bom, fui agraciado com a bem plumada presença do
pavãozinho.
No
tempo que fazia aquela caminhada, era verdinho em Rondônia. Passei meus
primeiros meses numa vila isolada chamada Bom Futuro e de lá, me irradiava para
as frentes de pesquisa. Meus dias eram roteirizados em saudades de Belém (como
nos conta nas crônicas, Eneida, os eram, os dela). Vivi a minha solidão naquele
caminho cheio de possibilidades e não tinha espaço emocional para ter medo.
Tinha medo era da solidão, tão longe de Belém. Acudia-me às cartas que, quando menos
demoravam, passavam 15 dias para me alcançar. E aos três dias por mês que me
eram proporcionados de folga em Porto Velho. Boa parte deles, eu passava dentro
das cabines de telefone, pagando uma grana preta na chave para as ligações
interurbanas, perturbando o televizinho e pedindo pra chamar a mamãe lá do
outro lado da rua.
E
foi naquele caminho que encontrei o Pavãozinho do Pará abrindo a penugem e se
revelando em beleza para mim. Nunca mais vi outro, nem ouvi falar. A não ser
agora quando leio Eneida nesta edição muita das suas pai d’égua com suas páginas
de cabeça pra baixo revirando lembranças.
Como escreve bem esse um Menino...
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