sábado, 3 de dezembro de 2016

crônica da semana-exotérico

Exotérico
Olha só quem eu me atrevi corrigir, dia desses, o Eric Hobsbawm. Metidão eu, né. Ainda bem que logo fui obrigado a retroceder (como diriam os bons locutores esportivos de dantes).
Eric Hobsbawm é um dos maiores intelectuais do nosso tempo. Historiador, pensador. Nutria uma curiosidade sobre o Jazz (e até uma intimidade: compus com o jornalista Edir Gaya, a música “Pedreira ‘Jazz’ Pedra Noventa”). Daí, andei que só prestação em fim de mês, por esta cidade; me bati pelas poucas livrarias de Belém, atrás de um livro dele sobre o tema. Já estava desistindo, até que, pela luz divina, achei.
A linguagem do autor é aquela, entre o acadêmico e o informativo. Um traçado natural para escritores do top dele. O Raimundinho aqui, é claro, ralou, leu duas, três vezes, a mesma passagem para entender melhor. Desconfiou da tradução em encarreiramentos do tipo "Observadores eruditos ortodoxos muito esnobes", mas foi em frente, interessado que estava no som que ascendeu do delta do Mississipi. Por acolá, a bronca: no trecho em que se refere a “discos de nomes exotéricos”. Na hora liguei meu desconfiômetro. Estranhei a forma de ‘exotérico’ com ‘xis’. Cavuquei o cocuruto e achei uma música do Gilberto Gil com este título, mas não menos intrigante, na parte da escrita. Tem um som de ‘zê’, na pronúncia. A primeira reação foi pesquisar a letra da música (aí sim, armaria aquele fuá, aquela cena toda de correção e tal. Tudo bem, levaria a conta para a tradução, mas o Eric Hobsbawm entraria, na certa, como litisconsorte).
Comentei em casa. “Oh!”, nos horrorizamos todos. Achamos a música do Gil que grafa bem grafadinho em um dos versos da letra e no título, ‘esotérico’, desse jeitinho mesmo, com ‘ésse’. Taí, nem o senso comum pautado na fonética, nem o intelectualismo do historiador. Reinou a minha empáfia.
A primeira impressão, a primeira informação, conclusões imediatas, presunções ocasionais, um pouquinho de sadismo, bestice e pavulagem, essas coisas é que acabam com a gente, destroem posturas. Percepções imponderáveis estimulam o preconceito, regam a intolerância, modelam diferenças. Retrocedo e admito que a humildade deve sempre estar em pauta. A racionalidade há de ser a regra. Observar as versões, considerar as composições. Os lados vários de um tema ou objeto. Estes são os comandos para barrar as injustiças, os ódios gratuitos, os julgamentos vis. E também para dar conta das minhas besteiras e barrá-las a tempo. É claro que um livro como “A História Social do Jazz”, produzido há mais de trinta anos, com várias edições e em várias línguas, escrito por um pensador brilhante não iria abrigar em tão elegante tessitura, erros primários. Desconfiômetro de novo e, eis que me aprofundei na pesquisa.

No dicionário, achei duas formas: “esotérico”, como na música do Gil, e “exotérico”, como na escrita do historiador britânico. As duas, com significados até opostos coincidem na dedução: quebrei a cara ao querer ser metidão exatamente diante de palavras exóticas onde o ‘ésse’ e o ‘xis’ têm som de ‘zê’. Ao cabo e ao fim, boiei de tudo, como uma pessoa melhor.

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