sábado, 17 de dezembro de 2016

crônica da semana- geladeira de picolé

Acre doce
Dessa época é aquela história que contei anos atrás e que virou título do meu segundo livro, “O dia mais feliz da Minha Vida”.
Dá conta da fase que a mamãe resolveu morar sozinha. Alugou uma casa de três cômodos na vila Três irmãos, na Visconde. Uma ousadia sem tamanho.
Ocorre que desde quando chegamos do Acre, moramos, toda a tropa dos Sodreres, com a vovó, mãe da mamãe. Éramos mais cinco bocas, mais cinco redes pra atar, mais cinco na fila do banheiro e por aí... Apesar da generosidade da vovó, era uma situação delicada. Orçamento apertado, receita fixa, despesa aumentada radicalmente. Mamãe segurou um tempo, mas depois, doeu na consciência. Juntou as tralhas poucas, os meninos, confiou no salário que recebia como operadora de Caixa na padaria Aveirense, perto do Museu, e lançou-se na vida sozinha.
Foi a nossa primeira experiência em Belém, independentes, assumindo a carreira solo. Para mim, que era danadinho, representou a conquista de um mundo fora dos domínios das quatro paredes de uma casa. Ficávamos os quatro, boa parte do dia, além dos olhos da mamãe. A rua era uma tentação. Logo arrumei uma parceirada, descobri a campo do Areal e o igarapé da Visconde. Daí a lembrança marcante que resultou no meu livro “ O Dia Mais Feliz...”.
Deixa estar que a parada não era fácil. Quando que a mamãe iria dar conta de todas as contas só com o ordenado da panificadora! Vivíamos no aperreio. Tivemos uma conversa séria, amarramos compromissos. A solução era todo mundo cair no batalho. Minhas irmãs saíram para as prendas nas casas de família e a mim, me coube a tentativa de arrumar um trabalhinho, também. Tinha 9 anos.
Belém para mim, ainda era encanto e segredos. A cada dia ia me reconhecendo na cidade. Estudava com uma bolsa oferecida pelo Estado, na escola da igreja Aparecida. No dia-a-dia, cortava boa parte do bairro. Frequentava a feira da Pedreira, me consultava no Centro três, assistia a uma vesperal do Paraíso. Ia explorando... Entendi os itinerários dos ônibus e quando dei fé, já ia sozinho para o Ver-o-Peso, dava voltas de ônibus. Assim, fui me espertando, me distanciando do menino de pés recatados, lá das terras acreanas do Xapuri, e ao fim, já era um pequenozinho que me virava em Belém.
Apostando nessa minha desenvoltura, mamãe arriscou me mandar para um trabalho lá na Sato Antônio, no centro, a dois passos da Carrapatoso. Até aonde a minha memória alcança, foi o meu primeiro, nomeado e denominado, emprego. Nem lavar as orelhas sabia lavar direito; contas de mais ou de menos da matemática, não precisava uma; e achava que podia ser o homenzinho da casa.
Queria ajudar a mamãe e como já fururicava pela cidade, fui trabalhar como Office boy em um escritório de advocacia, na dita Santo Antonio.

Não durei um dia. De certo, era um bebê. Os conhecimentos que eu tinha da cidade, me valeram apenas para voltar pra casa a pé, e em prantos, desde lá do centro, porque não resisti a uma amostra mínima, ínfima deste ambiente necessário (que depois defini como mais acre que doce) que conhecemos como o mundo do trabalho.

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