sábado, 21 de maio de 2016

crônica remix- Pisco

Tributo ao Pisco
Em tempo de convalescência por causa de uma cirurgia para desentortar o terceiro quirodáctilo da mão esquerda, trago de volta o Pisco:
Fazia tempo que eu não andava pela pedreira. Dois, três meses. No centro do bairro há, sem dúvida, algo de estranho. A menina sabe-tudo vem apressada e me diz: “nem te conto. Sabes da última? O pisco fechou”. Meu pai, então era isso. Aquela minha impressão ao passear pela grande avenida. O bairro estava, sim, mais triste. E eu amofinara também desde então. “Mas como fechou?”, perguntei meio esperando um sorridente primeiro de abril em pleno mês de maio. “Fechou, sim, e no lugar vai ser uma farmácia azulzinha pra concorrer com a amarelinha de confronte”. Pronto, pensei estarrecido, é a invasão das boticas coloridas e seus hits pregoeiros “legaizinhos” de cantar.
Fui até a esquina da Estrela e dei com um churrasquinho nostálgico na semi-escuridão e nas reminiscências de tantas noites pedreirenses. Pedi dois de galinha sem farofa. Procurei por ali uma cerveja pra acompanhar, mas... o pisco fechou.
Fui, é verdade, um membro fugidio da confraria solidamente instalada no bar. Coisas do ofício. Mas nutria um carinho todo especial pela casa. Considerada um monumento suburbano, um porto etílico de onde se partia para tantas descobertas. O bar do parque da pedreira, com suas figuras folclóricas, seus garçons de estatura mediana e cabelos de índio. Com sua fachada quarentona, o templo da saudade de velhos e novos carnavais, de colombinas e pierrôs abandonados pelas paredes.
E eu, roendo um ossinho de galinha, de frente pra botica pós-moderna e as costas voltadas para um bar já fantasma, repetindo um pensamento antigo: “tudo morre um dia”. O Caveirinha, o Sinalzinho, o Cinema Paraíso (e a impagável frase “Faça deste cinema o seu paraíso), o cine Vitória, o Aguenta o Tombo, o campo do Asas, do trabalhista e, meu Deus, o Areal. Os banhos nos ‘garapés’ da baixa, o café SéculoXX, o mercadinho Sandra, Shangrilá, o Brasil e Zaire na Paragás, em cores, gol do Jairzinho, o furacão da copa.
Tudo morre e vai se acomodando no limbo aconchegante da nossa memória. Formando imagens distantes de nossa infância querida, tempo que não volta jamais. Que droga...
Tudo morre, e morrendo o Pisco, não mais as cervejas nos fins de tarde logo na descida do Pedreira Nazaré. Mais difícil arregimentar barrigudos voluntariosos para o futebol bem mal jogado no Domingo. E os recém-chegados, os mais novos ensaiando os primeiros goles na loura gelada, desconfiados que nem primíparas adolescentes? Estes estão órfãos de experientes degustadores da boa “gegé” os depositários de infinitos segredos boêmios.
Dou uma volta pela esquina da Estrela com a Pedro Miranda e vislumbro lá ao longe o sinal da Lomas e a baixa da Pedreira. Pouca coisa nos resta. Perdemos o bar de todos os dias em troca de uma farmácia 24 horas. A única certeza é que estamos menos alegres e mais doentes. Volto ao churrasco da Mira, representante da resistência pedreirense. Desta feita um de carne com bastante pimenta.


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