terça-feira, 8 de março de 2016

dia internacional da mulher remix

Las niñas
Luzia foi uma mulher maravilhosa. Lutadora. Saiu do Acre com quatro filhos agarrados à barra da saia, desembarcou do Domingos Assmar, no porto de Belém com nenhuma esperança. Mas não desanimou. Não se abateu. ‘Virou, mexeu, pintou os canecos’ e conseguiu criar todos os pequenos. Era professora formada, mas trabalhou um tempo com carteira assinada (pouco tempo), como caixa, na antiga padaria Aveirense que ficava de confronte ao Museu, depois ganhou a ruas de Belém, vendendo de um tudo. Se batia, também, com uma barraquinha de confecções na feira da Pedreira (em frente ao Bazar Brasil, como dizia a propaganda da rádio cipó). Embora tenha encontrado tantas dificuldades pelo caminho, minha mãe cumpriu a nobre missão de garantir a vida aos filhos. Agora em 2008, faz dez anos que minha mãe nos deixou. Mas para mim, mamãe não morreu, não. Luzia vive, e muito intensamente, no que sou. Está na minha batidinha diária, no meu entendimento sobre a conquista de cada palmo de vida, está na resistência e na luta contra as porqueiras e as tosses que tentam nos roubar o fôlego. Está na minha mania de andar a pé pela cidade e dita, no meu cocuruto, muitos dos dizeres e fraseados que uso nas minhas prosas aqui na coluna . Sinto minha mãe por perto a me guiar e a me aliviar a alma. Por isso, como dizia a Luzia: “tanto faz José como Cazuza, o que importa é que por onde se enxerga, sempre vou indo muito bem”.
Minha mulher Edna tem a virtude de ser amiga, de ser fiel, de ser companheira. É uma mulher inquieta. Não aceita o revés: vai à luta. Mas tem uma serenidade de dar inveja. Tem a capacidade de contemporizar. Sempre que o aperreio se instala, Edninha está ativa, presente, armada de sutileza e calma.
Conhece todas as minhas fraquezas, sabe dos meus defeitos, reconhece as minhas poucas virtudes e me é a companheira que me “suporta e chega a me amar”. Estamos juntos há 19 anos dividindo momentos felizes, refletindo a qualidade do nosso amor, revalidando os nossos compromissos.
Sabemos do desafio de nos tolerarmos, mas somos românticos e quando o coração fraqueja, quando a cabeça roda, quando o corpo cambaleia, busco na vitrola os argumentos dos versos cantados pelo Chico Buarque, e faço deles a minha remissão e a minha expressão de carinho: “Amo una mujer clara/ que a mim me ama/ sin pedir nada/ o casi nada/ que no és lo mismo/ pero és igual...”
E assim renovo a certeza de que “Soy feliz,/ soy un hombre feliz.” Amaranta Maria chegou assim, trazendo o charme estilístico da aliteração no nome. Para mim foi uma luz, uma prova da vida eterna, da reedição da esperança. A chegada de Amaranta representou pra mim a confirmação da “ânsia da vida por si mesma”. Minha filha nasceu com os olhos negros e graúdos dos Sodreres e herdou a boca avermelhada e bem desenhada da avó Luzia. Veio ao mundo para prover a minha alma de mais força feminina.
Ganhou o nome das páginas do romance do Gabriel García Márquez “Cem Anos de Solidão”. E é, verdadeiramente, uma menina ilustrada. Tem a elegância da fidalguia e o destempero descortinado da plebe. A tez escandinava inspira certa distância, mas ao mesmo tempo desperta encanto. Amaranta é amável, severa, sensível, implacável, doce e amara... Maravilhosa e sabiamente paradoxal.

Quando eu vi, na folhinha do ano, que meu dia aqui na coluna cairia exatamente no dia em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, falei, legal! É a chance de homenagear as mulheres da minha vida, atomizações luminosas de todas as mulheres do mundo: minha mãe Luzia, minha mulher Edna e minha filha Amaranta Maria.

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