Dedo duro
Não. Não vou denunciar ninguém. Não vou
entregar unzinho assim da Lava-jato ou da merenda escolar. O que se dá é que
passei fevereiro me atando com uma inflamação que deixou o terceiro
quirodáctilo da minha mão esquerda (mais conhecido como dedo médio ou maior de
todos) durinho da silva, travado na posição em gatilho, e me fazendo ver
estrelas de tanta dor quando tentava esticá-lo.
Tratei o caso como uma surpresinha
desagradável de carnaval. Mas a surpresa se prolongou e me aperreou. Baixei em
emergências de hospital umas duas vezes, me entupi de anti-inflamatórios,
recorri a uma bezuntação com arnica. E o bicho nada de subir. Continuou dobrado
e doendo.
Da última consulta que fiz, saí com a
missão de fazer uma ressonância magnética, um tipo de exame ainda não
experimentado por mim.
Boleiro que fui, obreiro da indústria, com
três malárias abancadas no fígado, acostumado estou a esforços físicos, a
desgastes de uma cartilagenzinha aqui, um ossinho ali e a uns enjoos após uma
rodada mais aquela de cerveja e de uma boa bucanhada numa picanha sangrando.
Por essas e outras, há anos me apresento em consultas periódicas para
acompanhar a saúde nos famosos checapes. Já sou parça, portanto, das chapas de
Raio x, das ultrassonografias, das endoscopias. Agora esta tal de ressonância,
olha, não conhecia não. É coisa de outro mundo. De outra galáxia.
Trata-se de uma máquina porruda, parece
uma cápsula de filme de ficção. Sabe aquelas cenas na Discovery One, onde
os personagens do filme “2001-Uma Odisséia no Espaço” aparecem se movendo em
cenários curvos, passarelas dobradas, tudo muito branquinho, tudo muito iluminado
e asséptico? Pois é. É assim, o ambiente em que o exame de ressonância se
realiza.
Eu até estranhei. Duvidei. Achei demais
aquele aparato tecnológico todo só pra avaliar meu dedo duro. Pelo tamanho da
máquina, pela severidade do ambiente e pela concentração exigida, aquele acervo
inteirinho, reinei, deveria ser coisa para examinar de aorta pra lá. É
engenharia pra investigar coração.
Mesmo me julgando indigno, entrei naquele
túnel, eu e meu dedão, e ficamos lá um tempão respondendo às vibrações e sendo
fatiados pelas ondas de radiofrequência.
Dias depois fui pegar o resultado e
abalei. Uma lesão no tendão e tal. Fiquei com medo de ficar travadinho para
sempre. Mas fiz o tratamento, estou em fase de recuperação. E redimensionamento
de valores. Acho que aquela maquinona toda foi realmente necessária. Aqui, ali,
gosto de tocar meu violão. Toda semana digito estas linhas e me entrego ao
prazer da criação. O movimento pleno das minhas mãos é essencial para
realizações que me enchem de felicidade. Preciso do meu terceiro quirodáctilo
íntegro para ded’ilhar umas modinhas na minha viola, preciso dele para
dac’tilografar minhas crônicas. Aquele equipamento de ponta que realiza o exame
de ressonância, ousei pilheriar, é arte da ciência que tem competência e
nobreza para perscrutar o coração. Foi bem aplicado, então, pois que em mim o
coração bate, também, na ponta dos dedos.
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