domingo, 13 de março de 2016

crônica da semana - dedo duro

Dedo duro
Não. Não vou denunciar ninguém. Não vou entregar unzinho assim da Lava-jato ou da merenda escolar. O que se dá é que passei fevereiro me atando com uma inflamação que deixou o terceiro quirodáctilo da minha mão esquerda (mais conhecido como dedo médio ou maior de todos) durinho da silva, travado na posição em gatilho, e me fazendo ver estrelas de tanta dor quando tentava esticá-lo.
Tratei o caso como uma surpresinha desagradável de carnaval. Mas a surpresa se prolongou e me aperreou. Baixei em emergências de hospital umas duas vezes, me entupi de anti-inflamatórios, recorri a uma bezuntação com arnica. E o bicho nada de subir. Continuou dobrado e doendo.
Da última consulta que fiz, saí com a missão de fazer uma ressonância magnética, um tipo de exame ainda não experimentado por mim.
Boleiro que fui, obreiro da indústria, com três malárias abancadas no fígado, acostumado estou a esforços físicos, a desgastes de uma cartilagenzinha aqui, um ossinho ali e a uns enjoos após uma rodada mais aquela de cerveja e de uma boa bucanhada numa picanha sangrando. Por essas e outras, há anos me apresento em consultas periódicas para acompanhar a saúde nos famosos checapes. Já sou parça, portanto, das chapas de Raio x, das ultrassonografias, das endoscopias. Agora esta tal de ressonância, olha, não conhecia não. É coisa de outro mundo. De outra galáxia.
Trata-se de uma máquina porruda, parece uma cápsula de filme de ficção. Sabe aquelas cenas na Discovery One, onde os personagens do filme “2001-Uma Odisséia no Espaço” aparecem se movendo em cenários curvos, passarelas dobradas, tudo muito branquinho, tudo muito iluminado e asséptico? Pois é. É assim, o ambiente em que o exame de ressonância se realiza.
Eu até estranhei. Duvidei. Achei demais aquele aparato tecnológico todo só pra avaliar meu dedo duro. Pelo tamanho da máquina, pela severidade do ambiente e pela concentração exigida, aquele acervo inteirinho, reinei, deveria ser coisa para examinar de aorta pra lá. É engenharia pra investigar coração.
Mesmo me julgando indigno, entrei naquele túnel, eu e meu dedão, e ficamos lá um tempão respondendo às vibrações e sendo fatiados pelas ondas de radiofrequência.
Dias depois fui pegar o resultado e abalei. Uma lesão no tendão e tal. Fiquei com medo de ficar travadinho para sempre. Mas fiz o tratamento, estou em fase de recuperação. E redimensionamento de valores. Acho que aquela maquinona toda foi realmente necessária. Aqui, ali, gosto de tocar meu violão. Toda semana digito estas linhas e me entrego ao prazer da criação. O movimento pleno das minhas mãos é essencial para realizações que me enchem de felicidade. Preciso do meu terceiro quirodáctilo íntegro para ded’ilhar umas modinhas na minha viola, preciso dele para dac’tilografar minhas crônicas. Aquele equipamento de ponta que realiza o exame de ressonância, ousei pilheriar, é arte da ciência que tem competência e nobreza para perscrutar o coração. Foi bem aplicado, então, pois que em mim o coração bate, também, na ponta dos dedos.


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