terça-feira, 5 de maio de 2015

crônica parazão -moral com a santa

Minha moral com a Santa
O combinado era atravessar a calçada que se estendia pela vila que eu morava, do início ao fim. Uns quarenta metros de joelho aguentando o sofrimento.
Tudo por causa do Bicola.
Era por ali pelo início da década de 70. Por conta de uns regalos que ganhei do meu tio e que entre outros atrativos tinha uma grade de Grapetes, estava definitivamente decidido a torcer pelo Paysandu. A cada Grapete que eu subtraía da conta aberta lá na taberna do seu Paulo, mais apaixonado ficava pelo time alviceleste.
Foi então que num jogo disputadíssimo com o Remo, eu estava acompanhando pelo rádio e num pé e noutro de nervoso. Remo um a zero. A molecada que estava comigo, ouvindo o jogo na entrada da vila, embaixo do pé de Acácia deu a maior corda: eu tinha que provar que era torcedor de vera. Assumir da forma mais desafiadora o amor pelo meu clube. Sair da situação de torcedor recém convertido, de simpatizante, admirador verdinho e amadurecer em convicção, em apego e zelo pelo meu time. Sentenciaram que eu firmasse ali uma promessa com a Virgem de Nazaré que se o Paysandu virasse aquele jogo, eu atravessaria de joelhos e com uma vela na mão, a calçada da Vila Mauriti.
Mas foi na hora que invoquei a Santa. Fiz a combina e voltei para o radinho cheio de fé.
Na segunda-feira, ao cair da tarde, lá s’stava eu, vela em punho, uma ruma de moleques me rodeando, minha mãe ralhando, a vizinhança tesourando (alguns espalharam que a promessa era por causa de uma doença feia na família. Alguém estava enfraquecido e internado no Barros Barreto)...
Estava decidido. E não tinha rolinho de pano para atenuar a dor no joelho não. Foi no bruto mesmo.
A Santa me atendeu na hora. Foi só eu tirar os olhos do céu infinito e me concentrar na emoção do narrador que o milagre aconteceu. Dois gols do Moreira. Virou o jogo. Eu vibrei às pampas com a minha turminha, mas tão logo passou a comemoração fui alertado: “olha a promessa!”.
Quando cheguei no final da vila, o joelho estava todo esfolado. Peguei uma senhora de uma esculhambação da mamãe, fiquei sem poder ir pra aula e passei a semana toda só no chá de Cabacinha.

Mas também, nunca mais quis testar minha moral com a Santa. E o Paysandu tá aí até hoje, seguindo seu destino. Perdendo, ganhando, empatando...contando apenas com as suas posses.

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