Minha
moral com a Santa
O combinado era
atravessar a calçada que se estendia pela vila que eu morava, do início ao fim.
Uns quarenta metros de joelho aguentando o sofrimento.
Tudo por causa
do Bicola.
Era por ali pelo
início da década de 70. Por conta de uns regalos que ganhei do meu tio e que
entre outros atrativos tinha uma grade de Grapetes, estava definitivamente
decidido a torcer pelo Paysandu. A cada Grapete que eu subtraía da conta aberta
lá na taberna do seu Paulo, mais apaixonado ficava pelo time alviceleste.
Foi então que
num jogo disputadíssimo com o Remo, eu estava acompanhando pelo rádio e num pé
e noutro de nervoso. Remo um a zero. A molecada que estava comigo, ouvindo o
jogo na entrada da vila, embaixo do pé de Acácia deu a maior corda: eu tinha
que provar que era torcedor de vera. Assumir da forma mais desafiadora o amor
pelo meu clube. Sair da situação de torcedor recém convertido, de simpatizante,
admirador verdinho e amadurecer em convicção, em apego e zelo pelo meu time.
Sentenciaram que eu firmasse ali uma promessa com a Virgem de Nazaré que se o
Paysandu virasse aquele jogo, eu atravessaria de joelhos e com uma vela na mão,
a calçada da Vila Mauriti.
Mas foi na hora
que invoquei a Santa. Fiz a combina e voltei para o radinho cheio de fé.
Na
segunda-feira, ao cair da tarde, lá s’stava eu, vela em punho, uma ruma de
moleques me rodeando, minha mãe ralhando, a vizinhança tesourando (alguns
espalharam que a promessa era por causa de uma doença feia na família. Alguém
estava enfraquecido e internado no Barros Barreto)...
Estava decidido.
E não tinha rolinho de pano para atenuar a dor no joelho não. Foi no bruto
mesmo.
A Santa me
atendeu na hora. Foi só eu tirar os olhos do céu infinito e me concentrar na
emoção do narrador que o milagre aconteceu. Dois gols do Moreira. Virou o jogo.
Eu vibrei às pampas com a minha turminha, mas tão logo passou a comemoração fui
alertado: “olha a promessa!”.
Quando cheguei
no final da vila, o joelho estava todo esfolado. Peguei uma senhora de uma
esculhambação da mamãe, fiquei sem poder ir pra aula e passei a semana toda só
no chá de Cabacinha.
Mas também,
nunca mais quis testar minha moral com a Santa. E o Paysandu tá aí até hoje,
seguindo seu destino. Perdendo, ganhando, empatando...contando apenas com as suas
posses.
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