Brincadeira sem graça
Belém
já teve terremoto, já experimentou chuva de granizo, já sofreu com temperaturas
altíssimas. Alagamentos, então, nem se fala: coincidiu maré cheia com um
chuvisco mais aquele de taludo, a cidade submerge. De um tudo a cidade já provou.
Agora, vendavais como estes que nos têm visitado nos últimos meses, nunca vi
não.
Antes,
quando tínhamos quintais, áreas livres, quadras inteiras só no puro terreiro,
até que a gente presenciava um currupio, um redemunho, mas era um volteio doce,
inofensivo. Levantava umas folhinhas, assustava um cachorro que saía voado (e
não voando), jogava uma poeira nos olhos da gente. Ocorrendo, normalmente nos
descampados dos arrabaldes, o movimento afoito do vento que arriscávamos
descrever como o ‘cão brincando de roda’, não era de espantar.
Não sei
de onde veio a idéia de chamar o redemoinho de ‘cão brincando de roda’, presumo
que seja uma alusão ao fenômeno que conhecemos como furacão. Dá-se então um
empréstimo da última, mas não menos danada, sílaba daquela tempestade que mais
comumente ouvimos falar e cria-se a ciranda. O apelido que a gente dava àquela
turbulência nos impunha um medo meio camuflado, meio irônico. Era um medo, mas
nem tanto, afinal era só uma brincadeira de roda, uma traquinagem do tinhoso.
Pés de
vento mais agressivos, mais violentos são eventos que tenho presenciado só de
uns tempos pra cá. Reincidências aconteceram pros lados do Guamá, Terra-Firme.
Houve um caso bastante divulgado da destruição de um prédio do curso de Física,
na Federal, coisa de 10 anos atrás. Aqui na Pedreira não havia registro de
maiores danos. Mas este ano... já me assustei com pelo menos três tempestades
das mais apuradas, aqui pela minha barra. Esta última, de domingo passado, a
mais intensa, deixou um rastro de destruição e medo de verdade.
Parece
que houve um clique atmosférico radical que deslocou o eixo de grandes ventos
aqui para este meu lado. Ventos, ventinhos agradáveis são conhecidos por aqui.
O mais famoso é aquele vento que vem de tardinha lá do igarapé do Zé, só pra
amainar o calor. É uma brisa amiga, encaixada, na origem, no rego do igarapé
que corta as matas da aeronáutica, ali, à margem da Avenida Doutor Freitas. O vento que vem lá do igarapé do Zé
canalizado, no meio da mata, quando chega ao asfalto se abre em leque generoso,
e se distribui pela Pedro Miranda, pela Marquês. Nos tira o afogueado da tarde,
nos conforta da fadiga, recompõe o bom humor, refresca a alma. Não faz
currupio, nem redemunho. Sai da mata e ganha o mundo num passeio do bem.
Belém
já passou por algumas provações. Precisamos refletir sobre nossas faltas, sobre
os exageros da interferência que fazemos no Meio Ambiente. Temos que nos avexar
em nos redimir e nos ajeitar logo de bem e, para sempre, com a natureza dos
ventos e das ordens. Porque o desequilíbrio desanda em traquinagem do porte de
arrancar as telhas das casas, derrubar árvores, fazer cachorro levantar voo, e
nos fazer tremer de medo. É brincadeira de roda que graça nenhuma tem.
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