sábado, 23 de maio de 2015

crônica da semana - vento forte

Brincadeira sem graça
Belém já teve terremoto, já experimentou chuva de granizo, já sofreu com temperaturas altíssimas. Alagamentos, então, nem se fala: coincidiu maré cheia com um chuvisco mais aquele de taludo, a cidade submerge. De um tudo a cidade já provou. Agora, vendavais como estes que nos têm visitado nos últimos meses, nunca vi não.
Antes, quando tínhamos quintais, áreas livres, quadras inteiras só no puro terreiro, até que a gente presenciava um currupio, um redemunho, mas era um volteio doce, inofensivo. Levantava umas folhinhas, assustava um cachorro que saía voado (e não voando), jogava uma poeira nos olhos da gente. Ocorrendo, normalmente nos descampados dos arrabaldes, o movimento afoito do vento que arriscávamos descrever como o ‘cão brincando de roda’, não era de espantar.
Não sei de onde veio a idéia de chamar o redemoinho de ‘cão brincando de roda’, presumo que seja uma alusão ao fenômeno que conhecemos como furacão. Dá-se então um empréstimo da última, mas não menos danada, sílaba daquela tempestade que mais comumente ouvimos falar e cria-se a ciranda. O apelido que a gente dava àquela turbulência nos impunha um medo meio camuflado, meio irônico. Era um medo, mas nem tanto, afinal era só uma brincadeira de roda, uma traquinagem do tinhoso.
Pés de vento mais agressivos, mais violentos são eventos que tenho presenciado só de uns tempos pra cá. Reincidências aconteceram pros lados do Guamá, Terra-Firme. Houve um caso bastante divulgado da destruição de um prédio do curso de Física, na Federal, coisa de 10 anos atrás. Aqui na Pedreira não havia registro de maiores danos. Mas este ano... já me assustei com pelo menos três tempestades das mais apuradas, aqui pela minha barra. Esta última, de domingo passado, a mais intensa, deixou um rastro de destruição e medo de verdade.
Parece que houve um clique atmosférico radical que deslocou o eixo de grandes ventos aqui para este meu lado. Ventos, ventinhos agradáveis são conhecidos por aqui. O mais famoso é aquele vento que vem de tardinha lá do igarapé do Zé, só pra amainar o calor. É uma brisa amiga, encaixada, na origem, no rego do igarapé que corta as matas da aeronáutica, ali, à margem da Avenida Doutor Freitas.  O vento que vem lá do igarapé do Zé canalizado, no meio da mata, quando chega ao asfalto se abre em leque generoso, e se distribui pela Pedro Miranda, pela Marquês. Nos tira o afogueado da tarde, nos conforta da fadiga, recompõe o bom humor, refresca a alma. Não faz currupio, nem redemunho. Sai da mata e ganha o mundo num passeio do bem.

Belém já passou por algumas provações. Precisamos refletir sobre nossas faltas, sobre os exageros da interferência que fazemos no Meio Ambiente. Temos que nos avexar em nos redimir e nos ajeitar logo de bem e, para sempre, com a natureza dos ventos e das ordens. Porque o desequilíbrio desanda em traquinagem do porte de arrancar as telhas das casas, derrubar árvores, fazer cachorro levantar voo, e nos fazer tremer de medo. É brincadeira de roda que graça nenhuma tem.

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