sábado, 2 de maio de 2015

crônica da semana - de cabeça pra baixo

De cabeça pra baixo
Vocês não vão acreditar. E se eu não tivesse visto com meus próprios olhos, também não acreditaria. Mas eu vi. E estava deste tamanho!
Estava com uma malária braba. Tratado no Aralém e na Primaquina. Fraquinho que só. Descorado de dar dó. Internado em Porto Velho, após o arrefecimento das febres, já na convalescência, me animava pela manhã e saía pelos coredores da clínica procurando ganhar uma cor com os raios de sol das primeiras horas do dia. O hospital era da própria empresa que eu trabalhava. Na época, como a malária era tanta, um hospital para tratar a terçã era pauta de investimento imprescindível a qualquer empreendimento da região que buscasse lograr algum êxito nos negócios. Independer da letargia da saúde pública era essencial. A malária dava, a empresa tratava, a gente retomava uns quilinhos e pronto estava pronto para o trampo outra vez (ou para outra malária).
Estava na segunda malária. Falciparum, a maldita. Mas me considerava experiente. Tinha passado por uma mais branda anteriormente. Estava adestrado ao tratamento daí o meu roteiro matinal nesta fase de recuperação, sem medos maiores de dar um piti.
Acordava cedo, tomava meu café de doente, um banhinho, pegava o pedestal do meu soro e saía ao passeio. Dava um alô para o pessoal da administração, uma bitoca nas enfermeiras, chamegava com a tia da limpeza, ia de quarto em quarto visitando meus companheiros de trabalho. Numa dessas, dei com o Piripiri.
Era da minha equipe. Trabalhava comigo na mina. Tinha chegado na noite anterior, por isso não sabia nada do caso dele. Fiquei interessado porque ele estava muito machucado. Todo mordido.
Ocorre que, também na equipe tínhamos um índio Macuxi. Manuel Ambrósio Januário. Eu achava estranho aquele nome sem sobrenome, mas isso é o que de menos estranho havia nele. No acampamento ficava de olho. Tinha costumes. Repentes. Comia galinha viva.
Pois é, na minha convalescência da malária, houve uma briga no meu acampamento. Piripiri que era ajudante de cozinha, se atracou com Januário que era bateador. Januário, índio roraimense, que comia galinha viva, reinou comer também o piauiense. Mordeu o pobre todinho. Uma dentada poderosíssima apartou o polegar de Piripiri. O pedaço com a unha, o Macuxi cuspiu fora, no chão de terra.
O desafortunado todo inflamado, dizia que mordida de gente é remosa que só ela. O dedo fora recomposto, numa operação de recuperação, antes de um absurdo que da anatomia.
Me contou Piripiri, que na hora da briga, quando o pessoal que atiçava a arenga viu um pedaço de dedo rolando no chão, entrou em campo para o deixa-disso. Foi socorrido e levados ao ambulatório ele e o naco apartado do polegar de terra. No acampamento fizeram a sutura e o encaminharam à cidade.
Quando a equipe de emergência do pronto socorro de Porto Velho foi tratar do dedo, verificou que o dedo tinha sido colado ao contrário, lá na mina. Com a unha pra baixo. Houve de apartar e colar novamente, dessa vez com a orientação certa. Piripiri falou isso e abriu o curativo pra eu ver como estava o dedo dele. Eu vi.

Estava deste tamanho!

Nenhum comentário:

Postar um comentário