quarta-feira, 24 de setembro de 2014

crônica remix - ediício

Pra riba
Estive fazendo umas continhas aí. Classificando, distribuindo, restringindo, alargando, desconfiando, confirmando, descobrindo. Certifiquei-me, inconformado, de que não conheço ninguém que mora em edifício. Verdade. Não contabilizo um único amigo que more nas alturas. Digo, prédio mesmo, de verdade, daqueles que dá pra ver a baía lá de cima (Natália Lins, afins ou blocos geminados que permitem acesso somente  por escadas, não vale. O que conta ponto pra mim, é elevador, mesmo que seja daqueles do Jurássico, com portas pantográficas). O meu séquito limita-se ao povo que se vira ao rés-do-chão. É todo mundo habitante do térreo (alguns, é verdade, ‘terráqueos’ de esquinas chiquerérrimas tipo Doca...Quer dizer, não exatamente  Doca, e nem, absolutamente, esquinas, mas perto, perto, aquele perto que já dá pra se incomodar com o som dos carros tunados, com o chiliquitos de playboys amantes do tecnobrega baiano e com o mix de aroma floral de detergente nos fins de tarde, início de noite).
Minha turma não se animou a subir pra riba.
E antes que eu me desembeste no texto, vou tentar explicar que diabos vem a ser ‘porta pantográfica’. Bom. É um tipo de porta de elevador que a gente encontra, com muita freqüência naqueles prédios mais antigos da cidade e que tem o formato de pantógrafo.
Hum...
Se não ajudou, esta explicação, é só lembrar a última vez que a gente se dignou a responder a uma ‘notificação extrajudicial’ e teve que se dirigir a um escritório de cobrança para limpar o nome por causa daquela continha desprezível que a gente ‘esqueceu’ de pagar, do natal passado (e que virou um contão impagável). No geral estes escritórios instalam-se em salas precedidas pela sinistra (ameaçadora, imprevista, angustiante. E quem acompanhou o sobe-desce do Angel Heart, personagem vivido pelo ator Mickey Rourke em “Coração Satânico”, sabe muito bem do que estou falando) porta pantográfica.
Houve uma época em que os produtos vendidos pelos camelôs da cidade tinham pouco de eletrônico e muito de mecânico. Quem nunca comprou, numa esquina na João Alfredo um multi-utilitário Kimbar? Que era ralador, descascador e cortador, ao mesmo tempo, de frutas e legumes (que hoje seria comparado ao microprocessador, mas que na época era tudo no manual mesmo, no muque e, olha que pecado, tive a deselegância de presentear a mamãe com um desses, numa data comemorativa importante). O mesmo camelô enveredava pelos mistérios da química e vendia uma gosminha que era lambuzada no desenho (em qualquer desenho) e depois passava para o tecido (qualquer tecido), para os cadernos...funcionava como um decalque e que ficavam feinhos que só. E, este mesmo vendedor (lembro dele até hoje, porque tinha umas falhas de dente flagrantes que lhe alteravam a dicção), nos oferecia, também o pantógrafo.
O pantógrafo seria o pai do AutoCAD. É um instrumento de madeira, meio que sanfonado, que serve para alterar as dimensões de um desenho (pode torná-lo maior ou menor), ou seja, mexe com a escala da imagem. Cheguei a usá-lo, quando trabalhei nas minas de cassiterita do Amazonas. Só que aquele do camelô, só nos trazia dor de cabeça. Não traçava, muito menos modificava o tamanho, a envergadura, o volume, de nada. Tive um também (falo deste instrumento para o meus amigos da geologia, e eles, hoje com o auxílio luxuoso da tecnologia, se abrem...).
Belém, não é uma ilha. Temos o rio Guamá cercando por cá, a baía do Guajará, abraçando por lá, mas temos a 316 integrando acolá. Mas é bonita que dói, vista de cima. Sei disso, porque, com a graça do divino, pousei várias vezes pela Taba, neste berço aconchegante que me inebria. À noite, então, Belém é uma planície de luz.


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