sábado, 13 de setembro de 2014

crônica da semana- sombra do poste

Na sombra do poste (Raimundo)
Até acho que para um mês de setembro, está chovendo além do combinado em Belém, mas isso não quer dizer um arremedo de clima de montanha, não. Bastam dois dias de estiagem, na planície, que o calor vem naquela potência de aguar a laranjinha que a gente compra no sinal, um instante após a giletada. A gente é que se alivie num geladinho e se ajeite à sombra do poste pra se proteger dos raios ‘uvês’, porque se bobar, derrete junto.
É coisa do momento. A folhinha do ano lembra que a fase é a mais pura tradução do mormacento Verão Paraense, que ora viceja a pino, nesta onzena setembrina. O que está claro de encandear os olhos é o calibre de um sol mais ardente e mais precocemente presente. Sinal de que o Equinócio de Primavera se aproxima.
Tô atento a esse estiramento da luminosidade. Está amanhecendo mais cedo. Não tem nem um mês que, na saída para o trabalho, ainda estava tudo escuro e eu pude acompanhar o encontro de Vênus e Júpiter, ali pras bandas da Bandeira Branca. Sabia dos planetas porque vi na internet, o encontro foi alardeado, e foi facinho localizá-los no céu por causa do brilho absurdamente possante dos dois. No primeiro dia vi os dois juntinhos. No outro dia, Júpiter deixou Vênus para trás e ganhou altura no céu. No terceiro dia, Vênus sumiu e deixou de ser a Estrela da Manhã (vai reaparecer como Estrela Dalva no céu lá pra Novembro, só que ao anoitecer. Não fiquemos tristes com a fulguração ausente. É uma questão e tempo). Ali pelo quarto dia, no mesmo horário, não mais consegui perceber o brilho de Júpiter nem de estrela alguma próxima. Com o passar dos dias, a luz dos astros foi diminuindo, diminuindo, o clarão do dia foi tomando conta do horizonte e agora, antes das seis horas, ali pra’queles lados do Utinga, o céu já se compõe num cerzido harmonizado em amplos descaimentos de azul. A aurora amazônica antecipa o clarão do dia e as estrelas cintilantes, e os planetas brilhantes, pluft, apagaram-se, anularam-se ante o poder do sol.
Isso tudo é muito organizadinho, muito certinho, é o produto das danças e contradanças do universo. Eis então que agora em setembro o sol vai se postar bem em cima da gente. Para esta região aqui na faixa do Equador, o resultado disso vai se refletir nos amanheceres mais cedo, na maior intensidade do calor, e na sombra do poste.
Tenho acompanhado a sombra do poste ao longo do tempo. Na Pedro Miranda, bem ali na parada onde ficava o antigo Shangrilá, em dezembro do ano passado, a galera se escondia do sol formando uma cobrinha que se estendia no sentido da Escola Salesiana, rés ao meio-fio. Em março, a sombra andou e se lançou no rumo da parede, que se em outra época fosse, seria exatamente a porta de entrada do Shangrilá, quer dizer, ficou perpendicular ao meio-fio. E a turma que espera o Pedreira Lomas, acompanhando... Em junho, a bicha já tava do outro lado, se propagando no sentido da feira da Pedreira. Agora em setembro, como se movida por uma libido atávica, a sombra se aproxima novamente do traçado que iria (um dia) dar na porta do Shangrilá. Este é o bailado do universo que a gente testemunha mais de perto. Quantos segredos, quantas respostas, quantas deduções mentirosas este ir e vir da sombra de um poste suscitou, quantos embaralhos fez na minha cabeça, quantos por quês fez surgir... e quantas vezes perdi o ônibus pensando nessas coisas sem sentido...de sombra, de sol e setembros e chãos e humores esturricados e dias de calor, Raimundo; e quantas inquietações pelos vagares desimpedidos do mundo? Raimundo, Raimundo, por favor, não derrete não!



Nenhum comentário:

Postar um comentário