sábado, 20 de setembro de 2014

crônica da semana - paludismo

Paludismo, Aralém e outros ais
Fico até meio aquele quando vejo algum anúncio solicitando doadores de sangue. Imagino que se eu doar o meu, no outro dia a assistência tá apitando aqui na porta de casa pra me levar pra UTI. Lá no laboratório quando virem boiando no meu plasma, traços ainda animados das três malárias, uma dengue e uma hepatite, os técnicos vão tomar o maior susto e vão querer mais que depressa me acudir. E isso sem contar com o teor de Etanol que se mantém há anos, assustando etilicamente, em taxas generosíssimas.
(Antes de prosseguir discorrendo sobre o meu patrimônio nada modesto de ziquiziras, pondero admitindo que o que nos faz resistir, o que nos leva a viver de vera, gostar de não largar este mundo, criar anticorpos e pular fogueiras são as descobertas, os aprendizados. Mesmo que nos cheguem atemporais, já na batida da campa. Ainda que venham tardios, por conta de urgências outras, nos adiantam, que só, ora, ora... Durante muitos anos conhecia o termo “impaludismo” como sinônimo de malária. Só que, por esses dias, lendo o romance “Marajó” de Dalcídio Jurandir, vi que ele se refere à doença, reduzindo o termo para “paludismo”. Mirei, indaguei para mim mesmo sobre aquele jeito de escrever. Quedei-me, porém, ao estilo. Vai ver que era do eu marajoara do Dalcídio, reduzir as doenças. Dá-lhes um apelido subtraído de prefixo. Como se assim, sem o ‘im’, os efeitos, as dores, os ais fossem amenizados. Pode ser. Mas, por cuidado, fui ao dicionário e aprendi mais uma na vida. Certifiquei-me que podemos escrever das duas formas. Faz tanto e dá no mesmo. Agarrei e pus no título lá em cima, do mesmo jeitinho que está nas páginas de Marajó: paludismo).
No início da década de 80, quando fui trabalhar em Ariquemes, já fui preparado. A cidade era famosa por ter 100 mil habitantes e ter 300 mil casos de malária por ano. Três malárias pra cada. Era a campeã mundial da doença. Já fui esperando as minhas três. Mas olha como são as coisas: entrávamos para o campo no mesmo dia, eu e o geólogo Roberto Matias. Atávamos nossa rede uma do lado da outra, tínhamos a mesma rotina. E era tiro e queda: uma semana depois de acampado, Roberto baixava pra cidade com malária e eu, ó, ficava no mato esbanjando saúde. Contadas encarreiradas, meu companheiro só no tempo de Ariquemes, pegou cinco malárias. Era só, atar a rede e pluft. Uma cruz de falciparum, meia de vívax, uma mais rara, a malariae, todas maltratando. E ia pegando. Era pegador meu amigo. Mas não era um caso único de multiplicação da maleita. Tenho amigos próximos de mim, com mais de 20 malárias no curriculo.
Eu aguentei uns dois anos zerado, sem pegar malária, nesta pisada de acampar pra cá, acampar pra lá. E não é que quando me aquietei numa vila toda arrumadinha, morando em casa telada foi que me arranjei com as minhas três. A primeira foi meia cruz de falciparum. Fiquei apavorado. Após o tratamento me danei a tomar o chá de melão de São Caetano em jejum, que era ruim pra dedéu, porque me disseram que era bom pra sarar de vez. Mas quando! Não deu nem 20 dias, peguei a segunda. Uma cruz de vívax. E foi logo no carnaval. O tratamento a gente fazia em Porto Velho. Para os sintomas, Dipirona no glúteo, porque no braço não tem cristão que aguente, soro, Aralém para manter as funções sem sobressaltos e Primaquina ou  Cloroquina, conforme a identidade do Plasmodium. Quando peguei a segunda malária, era carnaval. Tinha uma namorada e ela brincou o carnaval sozinha. A terceira malária...Ah, a terceira malária doeu menos que a dor da saudade (e para esta dor, não teve Aralém que desse jeito).




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