sábado, 26 de julho de 2014

crônica da semana- sem fôlego


Sem fôlego em Mosqueiro
Nunca fui de me afastar de casa. Era amamãezado de dar entojo. Meu negócio era ficar pendurado na barra da saia da mamãe. Não arredava o pé. Ficava só por ali, arrodeando. Uma ou outra ocasião que arredei, fiquei sem fôlego em Mosqueiro. Uma vez porque chorei muito; outra vez, fui querer dar um beijo numa pequena dentro d’água e me afoguei...
Eu era bem pequenino por aqueles dias distantes que nem ponte havia atravessando o Furo da Marinha. Minha tia Fabiana, de malas prontas para a ilha, num pé e n’outro para veranear na casa de uma amiga, me vendo por ali zanzambestando pelos corredores da casa sem ter um quê de arte ou dever para fazer nas férias, resolveu me levar para o passeio. Até a viagem pela baía do Guajará a bordo do emblemático Presidente Vargas, eu tava que tava um amor. O navio, de popa à proa era de todo simpático, tinha a marca da tradição, carregava uma vuca todo Julho para as praias do Mosqueiro, era íntimo dos usuários. Um navio popular de uma envergadura nobre. Oferecia eficiência na navegação, prazer na contemplação de belas paisagens e... além dos termos e tantos rotineiros, nos oferecia interações e sensações que aos tempos longínquos e ásperos, resistiriam. E eu, ó, curti pacas aquela hora e um pouquinho singrando o leito deleitoso da Guajará.
O custo foi eu bater em terra.
Quando me vi não sei donde de distância longe da mamãe, com a possibilidade de voltar contando unicamente com um navio agora não tão simpático e que já se afastava sem dizer um tiau; quando dei com um mundo de água na minha frente engolindo pelo menos três pontos cardeais e me tirando as referências mínimas para onde ficava a Pedreira, a nossa casa com tajás-curados vingando ao longo do chagão; Quando tornei para um tempo certo de não ter mamãe por perto, emburrei bem emburradinho. No trapiche ainda, bateu o banzo. Mas tá, vá lá que seja, peguei na mão da tia e ensaiei uma concordância comigo mesmo de aguentar e aproveitar a praia. Mas quite, quando chegamos na casa em que íamos ficar, apesar de conhecer as pessoas que estavam hospedadas lá, os meninos (e ponha menino nisso), os donos da casa, estranhei. Eram, a maioria, todos vizinhos ali da Marquês, Mas não teve jeito que desse jeito. Minha tia nem tinha atado minha rede direito e eu já começava a ficar sem fôlego.
Me lembro benzinho. No outro dia, café tomado, descemos para a praia. Aquele mundaréu de moleques. Todo mundo arrumando um divertimento, se arranjando numa brincadeira e eu, macambúzio, solitário, sofrendo com saudade da mamãe. Da feita que cheguei na praia, sentei na areia, cruzei os braços sobre os joelhos, baixei a cabeça e comecei a chorar. Endoideci minha tia com aquela nostalgia choraminguenta. E não tinha picolé, chope de groselha, convite para virar carambela no raso d’água, nada, mimo, aventura nenhuma que me resgatasse de tamanha tristeza. Lembro que no caminho para a praia a gente descia pisando em taperebá, de tanto que havia por lá, e são os traços daquele cheiro provocante, daquele amarelo esmigalhado matizando o chão cinzento que recriam dentro de mim, hoje, a única sensação boa que ficou daqueles dias na praia. Eu era um instantezinho assim feliz roendo, pisando os taperebás, cheirando os taperabás pelos olhos.
Acabei com o espairecimento da minha tia. Passou o primeiro dia, o segundo e como ela viu que todo dia eu perdia o fôlego de tanto chorar, juntou nossas coisinhas e batemos de volta para casa.
De perder o fôlego, perdi também, já mais taludinho, naquela presepada de beijar embaixo d’água, mas essa parada uma outra horinha eu conto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário