sábado, 12 de julho de 2014

crônica da semana - troféu

O troféu
Há muitos anos, lá pelo início da década de 70, ainda tomados de alegria pela conquista do tricampeonato de futebol no México, os moleques da minha rua tinham motivos bastante fortes para relar o joelho nas partidas de futebol. Uma empresa de refrigerantes, para manter a memória do escrete campeão, lançou como brinde uns bonequinhos dos jogadores. Eram peças de plástico  alcançando não mais que cinco centímetros, em cores variadas e com posições o numerações que a gente relacionava aos jogadores da seleção. Lembro bem do bonequinho do Félix, que se desenvolvia como se o goleiro estivesse fazendo uma ponte; o do Everaldo, o do Dario, ambos com os pezinhos estendidos como se chutassem; e o do Pelé, com o punho cerrado acima da cabeça, comemorando o gol.
Não tínhamos um acervo tão grande das miniaturas, afinal para consegui-las, tínhamos que conseguir um monte de tampinhas premiadas para poder trocar por um único boneco. Tarefa difícil, já que tomar refrigerante, naquela época, era um hábito de poucos. Quase um capricho, uma esnobação. As pecinhas eram bens raros no meio da molecada, mas cobiçadas, desejadas. Garimpadas nos bares de esquina.
Acho que os campeonatos apareceram exatamente para compensar esta dificuldade e para coletivizar as miniaturas de nossos ídolos. O grande prêmio consistia catar em meio à serragem que era jogada nos ermos das ruas, alguns toquinhos de madeira maciços. Tinha uma turma que acertava os cantos, polia e pintava os taquinhos. Juntávamos uns quantos pedaços lustrados, fazíamos o inventário de bonequinhos que a molecada tinha conseguido e depois a gente iniciava a montagem dos troféus. Cada ídolo sobre uma base de madeira.  Colávamos um n’outro. Tudo montadinho, era até simpático o mimo. A seguir, fazíamos a tabela. Os troféus eram colocados em disputa nos sábados. Cada sábado, um bonequinho diferente. Se um único time ganhasse todos os torneios, ficava com uma coleção admirável de miniaturas tricampeãs. Esta era a meta das equipes. Conquistar um troféu confeccionado com refugos de uma serraria envernizados e um pedacinho de plástico mal desenhado representando um craque da seleção de 70. Era por esta prenda, que os moleques davam o sangue, relavam o joelho, e às vezes até facheavam a terceira vértebra lombar (que naquele tempo era a mesma coisa de ter uma desmentidora nos quartos, mal que nos levava a pegar uns transpescos da mãe e a gastar uma boa grana em óleo elétrico, andiroba, emplastro Sabiá, rezas e fricções com o seu Sabazinho).
Escrevo esta crônica, algumas horas depois da sova que a seleção brasileira levou da Alemanha. Sete cocorotes dados ‘de com força’, e sem pena na nossa cabecinha verde e amarela.
Em meio ao desconcerto ante derrota tão fragorosa, e com o coco todo encalombado dos quantos coques que levamos dos alemães, aquela arrumação de moleque me leva a uma verdade. Roemos unha, maldizemos os destinos e os infortúnios movidos por uma paixão. Tomados por uma estima infinda, por um apego desmesuradamente íntimo ao futebol.
Agora, no finalzinho da competição mundial, nosso troféu de plastiquinho se foi, sim, porque para um moleque da Pedreira, a dinheirama incontável, as luzes e as paparicagens atuais são prendas tais e quais, se não menos mesmo, que os nossos bonequinhos de plástico colados sobre um taquinho abrilhantado de madeira pelos quais relávamos os joelhos, pegávamos carões inomináveis da nossa mãe, facheávamos quantas vértebras tivéssemos. Ah, mas quando conquistávamos um bonequinho, ah...nos diluíamos até o próximo sábado em muita, muita felicidade.

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