sábado, 24 de maio de 2014

crônica da semana sinalzinho

Sinalzinho (ou O ‘esconderismo’ secreto)
As tardes eram sempre sonolentas naquela época. E quentes. Não sei se é certo falar dos tempos atuais como sendo de aquecimento. Abafada era a fila que se formava (na sombra, heim!) da igreja Aparecida antes de começar a aula, naqueles idos pedreirenses de setenta e poucos.
Eu chegava ali ainda na maior momó. Ia me arrastando. Morava perto, na Marquês (morava ao pegado de uma menina lindona que um dia seria Miss Pará), mas aquele estirãozinho até a escola era para mim, sob o luar das duas da tarde, uma provação. Quando via a nesga de sombra ao lado da igreja, me aninhava por ali ainda  preguiçosinho já me valendo da lei ‘do menor para o maior’. Era um dos pri da fila e garantia um lugar que batia até um ventinho, um corrupio enganoso, morninho que se formava no leito da Pedro Miranda quando os carros passavam, mas que me serviam de valência e me davam a impressão de conforto. Meu sapato Durabel é que não se confortava. Fervia com o calor e rimava um mel suorento dos meus pés, na inquietante espera da batida da campa de entrada.
Alguém, dos grandes de casa, sempre ia me deixar. Mamãe tinha medo. Todos nós tínhamos medo do Sinalzinho.
Era quase uma lenda, mas ao contrário de personagens marginais romanceados ou de gatunos encantados que entravam na nossa casa pelo buraco da fechadura, Sinalzinho não ativava meu medo pelo que tinha de mistério. Temia-o pelo que poderia ser a mais cristalina realidade. Falava-se que ele era mau. Articulador. Pensador. Bandido que ninguém pegava. Era do tipo que engendrava grandes crimes, feitos audaciosos, ações estupendas. Os rumores sentenciavam: andava armado até os dentes. Era valente. Era respeitado. Eu tinha medo que me pelava do Sinalzinho.
Rolava uma conversa que ele tinha um ‘esconderismo’ secreto ali pela Angustura, pertinho de casa. Era o meu trajeto para a escola. Uma caminhada que ia me deixar bem em frente ao portão da Aparecida. Por causa desses boatos, minha mãe mudou meu rumo e passamos a andar pela Barão (foi aí que eu conheci a sombrinha bacana na lateral da igreja e fiz dali o meu ponto de espera. Quando vi, toda a molecada estava esperando meio de lado a batida da campa, ninguém mais ficou torrando no sol, em  frente ao portão. Há medos que vêm para o bem).
Naquele tempo, A Patrulha da Cidade tocava o clima nos pormenores assustadores do mundo cão. A gente, em casa, é claro, ficava na liga do programa. Intimidados e ao mesmo tempo deslumbrados com a ousadia do Sinal. Feitos feéricos eram atribuídos ao Sinalzinho. Confrontos com a polícia militar. Refregas com a elite da polícia civil. Tira-cismas com quadrilhas adversárias. De todos os enfrentamentos, Sinalzinho saía ileso, pronto pra outra. A cidade apavorada rezava para não tê-lo por perto. E ele ali, no ‘esconderismo secreto’ detrás do restaurante do Goiano, na Angustura, segredavam aqui e ali, pra um e pra outro, as alcoviteiras da área. Eu que não ia pagar pra ver. Acatei de prima a mudança de itinerário que minha mãe fez e achava até legal aquela caminhada pela Barão do triunfo, a rua que tinha uma fieira de postes no meio.

A temperatura era altíssima ali pelos arredores da Aparecida naquele início dos anos 70. A imprensa noticiou, a Patrulha da Cidade alardeou que Sinalzinho havia caído. Embora a ameaça tenha passado, continuei no meu trajeto pela Barão sentindo o vento morninho do corrupio, esperando a campa bater, na minha sombrinha. Anos mais tarde, já trabalhando de boy no supermercado, fui companheiro de um garoto que tinha um sinal expressivo no rosto. Deste, eu não tinha medo.

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