sábado, 31 de maio de 2014

crônica da semana- dia do geólogo

Invadindo o cariazal
Às vezes a gente ganhava a estrada de terra no rumo do não sei donde, e eu ficava apreciando a mata pela janela. Selva de verdade. Fechada, escura, misteriosa, intimidadora, trançada, sem fim. Me perdia em perguntas: quem é que se abala por essa mata a dentro, meu pai? Quem é o doido que desafia este emaranhado verde de encantos e incertezas e se embrenha nos ermos intrincados e inóspitos? E a resposta vinha imediata: eu mesmo, ora. Eu mesmo.
Lá no longe, o carro parava, eu arrumava as tralhas, alinhava a equipe, distribuía as tarefas e invadíamos o temido cariazal, qualquer que fosse a vontade ou intenção; fossem vagos ou inaudíveis, porosos ou agudizados, os desafios da floresta.
Da feita que destrambelhava e encarava a mata casta e indócil, algumas razões suportavam a decisão. A luta pela sobrevivência. Dessa nem se fala. É o dito e o certo. Uma profissão de onde se tira o sustento, o feijão e arroz diário.
Outros porqueres, porém emolduram a carreira de geólogo (ah, sim, não sou geólogo. Formei em Mineração, e na maior parte da minha vida profissional, atuei na área da pesquisa mineral e geologia. Daí a afinidade com a peleja. Durante anos, eu e os geólogos com quem trabalhei porfiamos ao par. Teimamos a dois. Também, porque até um dia desses, freqüentei, mas não concluí o curso de Geologia na Federal do Pará, tenho ligações, digamos assim, abissais, com o meio).
Tirando as necessidades do corpo, outras razões justificam o mergulho na mata densa. Um motivo bastante sólido é o fato de que nem tudo é fácil. O ouro, ainda mais hoje em dia, não está ali na esquina. Não raro, ocorre nos interiores dos interiores dos encaninhos secretos dos escondidos e tão e tanto espalhadinho e disperso, que demanda talentos e zelos para retirá-lo do ninho. Este é um componente forte na natureza do geólogo. É um fuçador, um procurador lógico que envolve boa parte do conhecimento que tem para decifrar as afetações, os caprichos com que a Terra guarda seus tesouros.
E põe conhecimento nisso. Geólogo tem que saber muita coisa. E isso eu comprovei no meu curso. Fiz uma disciplina chamada Estratigrafia (que no frigir dos ovos traduz-se numa maneira elegante e simpática de contar a história da Terra). Certo dia, o professor pôs uma imagem no data-show que mostrava um bonequinho com cara de desesperado e acima dele, um monte de balõezinhos com sinais de interrogação, de várias cores e tamanhos. Segundo meu professor, aquela imagem era uma homenagem às minhas dúvidas. Me senti mais lisonjeado do que pilheriado. Aquela era a representação do meu transe diante da matéria que me exigia saber da terra, do céu, do tempo passado, dos bichinhos extintos, das montanhas distantes, das praias perto, dos profundos do oceano e do raso dos lagos. Muita coisa. Um desvelo que se bem feito, me permitiria entender o porquê do carvão e a importância da samambaia na edificação do nosso planeta. Eu me desesperando para compreender aquilo... E eu me desesperando tal e qual o bonequinho do desenho...
Outro fator que tira o geólogo de órbita são os deleites que a natureza oferece, exclusivamente, àqueles que se arvoram a entrar na mata. Os afloramentos robustos, os grãos brilhosinhos e arredondados no rés dos paleovales soterrados. A beleza incontestável do mais humilde dos cristais de rocha. Eis alguns  indizíveis prazeres permitidos aos geólogos.

Ontem, 30 de maio, foi o dia do geólogo. Dia de tomar uma, porque geólogo bebe. Parabéns aos amigos novos, aos amigos antigos e ao meu filho Argelzinho que experimenta o primeiro semestre e as múltiplas interrogações...

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