quinta-feira, 3 de maio de 2012

crônica remix - caverna

No meio do caminho tinha uma árvore (cont.)
Espeleologia é a ciência que estuda as cavernas. A palavra vem do latim spelaeum. Deriva também do termo grego σπήλαιον (lê-se spelaion), que significa...caverna (e olha só, quer dizer que aqueles temidos símbolos da matemática são usados para fins pacíficos também, que bom!).
Pois é, vagávamos perdidos à procura de uma σπήλαιον, digo, de uma caverna. Na pira. Cansados. Maltratados pelos carrapichos e pelo tirirical que nos lascava a pele. Minha comadre Cléo já estava perdendo a esportiva. Dizia que não queria mais brincar de porcaria nenhuma de caminhada na mata e que queria ‘a mamãe!’
Valmir Casado era o guardião dos víveres. Coitado, vivia se engatando com o teba daquele isopor cheio de comes-e-bebes. Mas não abandonou o nosso tesouro. Muito responsavelmente, tomou conta da nossa mais preciosa bagagem (o uisquinho, o uisquinho!).
Estávamos amofinando, quando de repente, varamos numa picada bem larga, limpa. Varrida. Clóvis pegou o rumo na bússola para se certificar que estávamos indo pro lado certo, mas nem era preciso. Um vento forte, veloz, ritmado, vinha de encontro à gente. Um farfalhar alegre, anárquico, sensual brotava do fim da picada e vinha nos acariciar, curar as nossas dores. O indiscreto deslocamento de ar denunciava a proximidade da... cachoeeeeeeeeeeeeeeira!
Não contamos conversa. Saímos em desabalada. Casado, pela primeira vez, na caminhada, se separou do isopor. Todo mundo foi largando tudo pelo caminho. Se desfazendo das mochilas, dos tênis, das camisas, dos recatos. Descemos a ladeira com mais de mil e... tibum! Mergulhamos, reconfortados, na água friíssima do lago que aparava a cachoeira. Uma maravilha!
Ficamos ali, de molho naquele laguinho, um tempão. Relaxando, tirando brincadeiras uns com os outros, mergulhando de olho aberto. Até que alguém falou que a água da cachoeira era boa para não sei o quê. Então fomos todos para debaixo daquela cortina de água, com a língua pra fora, tentando captar o maior volume de água possível para efetivar as nossas curas (ah, sim, o mal maior que tínhamos a ser curado naquele momento, era, obviamente, a sede. E a cachoeira, como era de se esperar, confirmou a fama: nos saciou).
Depois, recolhemos as tralhas largadas pelo caminho e nos preparamos para explorar a caverna.
Antes de entrarmos, afinamos o nosso comportamento no diapasão que vibra nessas aventuras espeleológicas: “de caverna, nada se tira, a não ser fotografias; e nada se deixa, a não ser pegadas”.
Entrar numa caverna é uma coisa extraordinária. Uma experiência extremamente prazerosa, inigualável. A gente se vê voltando alguns milhares de anos no tempo. E se entrega à escuridão, à umidade do ambiente, aos segredos da vida diferente anunciada no rastejar cego de ‘micobrinhos’ silenciosos e no rumorejo tétrico dos morcegos...
A gente se rende à altivez de formas surreais esculpidas na rocha,
à força desmedida que corrompe, que destrói e que ao mesmo tempo, remodela, redesenha com zelo e singeleza...
O clima que reina em uma caverna nos revela que a versatilidade da natureza, os insondáveis motivos erosivos, solúveis, pacientes, eternos formam o mosaico misterioso da criação, expressam a fórmula desafiadora que jamais iremos deduzir. Mas que, com educação (ambiental, inclusive), entusiasmo e, acima de tudo, respeito por tão bela arte, podemos sentir plenamente.
Abrimos o nosso uisquinho e brindamos a toda aquela belezura. Era hora de partir.
No caminho de volta, desviamos de um bando de rinocerontes ferozes e nos perdemos de novo. Mas isso é outra história.

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