quarta-feira, 9 de maio de 2012

Crônica remix- o trabalho...


O Trabalho Dignifica o Homem
Sempre trabalhei. Comecei com 9, 10 anos, por aí. Primeiro foi num escritório de advocacia. Minha mãe conseguiu com uma amiga, que eu fosse para a lida no relevante papel de ajudante de office-boy. Só fui um dia. O patrão estressou com um cliente e eu entrei na hora exata, com o cafezinho. O homem ralhou de lá e eu me tremi todo de bandeja na mão. Larguei tudo na copa e saí chorando. Passei pela secretária, a dita amiga da minha mãe, que não dei nem as horas pr’ela. Fui chorando desde o escritório, na Santo Antônio, até a minha casa na vila Três irmãos, lá na Visconde.
Minha mãe estranhou a minha chegada assim, de olhos vermelhos e quando perguntado, respondi que não ia mais voltar para aquele lugar porque o homem tinha gritado comigo.
É claro que aquilo foi mais melindro da infância, do que uma agressão desleal. O advogado não tava nem aí pra mim, naquela hora. Alterou a voz numa daquelas discussões normais do ofício. Depois mandou me chamar dizendo que tudo tinha sido um mal entendido. Mas quede que fui? Fiquei impressionado.
Tratei, porém, de apagar o trauma. A situação não dava tempo para depressões ou reflexões aprofundadas.
Com o dinheiro da indenização (sim, ainda fui remunerado pelo meu dia de chiliquito no escritório) mamãe comprou uma geladeirinha e n’outro dia, lá s’estava eu pegando o estirão da Visconde até o campo do Areal com um capital inicial de 20 picolés.
Eu sempre fui muito tímido, meio envergonhado e muito sem graça. Não tenho tino para a venda (apesar de, inexplicavelmente, ter vivido desta atividade durante um bom tempo) e odiava ser colocado em evidência na minha luta com o picolé. Detestava quando gritavam por mim, lá do outro lado da rua “ei, picolezeiro, vem cá. De que é que tem?” Ah, eu ficava piriricas com aquilo. Mas fazia a venda. Baixava a cabeça e ia de encontro aos fregueses, repetindo para mim mesmo “picolezeiro é a mãe. Picolezeiro é...”
Para mim, a coisa tinha que ser no silêncio, sem alarde. Por causa disso, e já com uma geladeira maior, me estabeleci impávido entre o unheiro e o bombonzeiro, na calçada do Alzira Pernambuco. E, com singular recato, por lá fiquei um tempo, ganhando o meu, até que apareceu a oportunidade de trabalhar como empacotador no Carisma em frente ao campo do Remo.
Quando eu fui trabalhar no supermercado, eu era deste tamaninho. Olha só, hoje, após previdentes proteínas e alguns vidros de Calcigenol, eu tô com metro e cinqüenta e um, que dirá, na época do pão e meio para quatro, no jantar! Era um custo para mim, dar conta daqueles paneiros ainda mais quando tinha que levar nas casas. Eu não alcançava o carrinho. Os meus colegas é que arrumavam a carga pra mim e de lá eu saía me batendo errante pela Almirante Barroso. Os fregueses é que me ajudavam, davam uma força (além da gorjeta), quando ela me faltava.
(O melhor de trabalhar no Carisma - depois, Pão de Açúcar) era que em dias de jogos, sempre dava pra gente pegar os 15 finais, lá no Baenão).
Este meu período de batalho, na tenra infância, reproduz, com certa crueza, a idéia primeira que se formou sobre o trabalho. No início trabalho significava sofrimento, dor. A própria palavra deriva do substantivo latino tripalium que era o termo usado para designar um aparelho de tortura. Credo!
E às vezes, o trabalho se impõe realmente como um fardo pesado (igual aos paneiros do Carisma), mas a história trata de reestruturar as idéias.
O trabalho é um dom. Tenho pra mim, que por causa do trabalho é que freqüento esta e não outra página deste jornal.

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