sábado, 5 de maio de 2012

Crônica da semana-Central


Pro pátio da central

Mas não é que domingo passado quase eu vou parar no pátio da central! Verdade verdadeira. Éras-te, parece uma coisa. Um dia bom, meu pai. Tudo nos conformes. Mas sabe como é. Sempre aparece uma tentação. Comemorava com uma turminha, o aniversário da minha amiga laila Costa (que é de uma safra novíssima de poetas e escritores e que me assombra deveras com um blog pra lá de apimentado). Combinamos num dos mais tradicionais bares da cidade (e eu até me sinto culpado pela escolha. Sugeri. Tenho essa pecha mesmo de ser conservador, de quedar-me aos apelos atávicos). 
Antes, porém de adiantar-me no ‘causo’, vou contar uma parada de quando eu era caixeiro: 
Eu tinha lá meus 14, 15 anos, quando trabalhei numa mercearia ali na Marquês, ao pegado de uma antiga recapagem (no dia daquela tragédia, em que vários trabalhadores morreram por causa da explosão de uma caldeira, eu estava lá, bem no cantinho da taberna, lavando os copos que haviam sido usados pelos próprios trabalhadores que morreram. Foi um estrondo medonho. Tremeu tudo. Saí do ar. Um dia muito triste aquele. Conhecia todas as vítimas. Os aviava sempre com um completo e pão com manteiga, logo de manhãzinha). 
O comércio tratava de tudo. Vendia óleo a retalho (tinha aquela medida, sabe, parece um cachimbinho. Uma coisa sovina, preguenta e sovina), pão e meio enrolado numa tira de papel de pão com uma linha passante (achava bacana enrolar a linha, dar um nó e depois arrebentá-lo com estalo); vendia sabão em pedra medido no deitar da faca; feijão e arroz embalados naquele embrulho simétrico engendrado pela dança dos dedos indicador e polegar (era um tormento pra mim, tecer o papel daqueles jeitos e modos. Até enganava, mas mal o freguês chegava na porta, o meu alinhavo se desfazia. Aí o dono da taberna tinha que refazer, com pompa e estilo, o meu embrulho). Vendia também lanches, abacatada, bananada. A nossa freguesia era de moradores antigos e o pessoal da recapagem. Apareciam, também, muitos caminhoneiros, minha patroa decidiu, então, servir almoço. 
Certa ocasião, apareceu um freguês de fora. Pediu uma sopa. Agarrei e trouxe. Depois pediu farinha pra pôr na sopa. Aviei o homi. Olhou pra farinha baguda, não se agradou. Pediu que eu achasse uma farinha fininha. Fui falar pra patroa. Uma boa pessoa, mas meio aperreada, naquela hora, mandou um recado meio desaforado pro cliente. Eu, como era bem mandado, fui lá e dei: “a minha patroa mandou perguntar se o senhor acha que aqui é restaurante chique, aquele do escolhe. Aqui é o que tá na mesa”. O freguês deu uma pedrada com a cumbuca de farinha lá longe e saiu. Não esqueço da cara de raiva dele, breada de graxa. Depois minha patroa veio: “vigi, mas tu é doido, não era pra dizer, não”. Tarde demais. Não dei pra garçom. 
Voltando: na hora de ir embora, fizemos a velha coleta. Eu dei uma nota inteira. Deixei o dinheiro com um dos convidados e desci ao banheiro. Na volta, papo já sem nexo, enfadonho, todo mundo querendo zarpar do domingo. Perguntei o que esperávamos. O troco, alguém respondeu. Chamei o garçom e pedi que se avexasse. Foi quando ele disparou a desdita. Foi taxativo em dizer que não havíamos pago a conta. Mas, epa, ponderei, o garoto garantia ter-lhe dado 100 Reais. Mas ele segurou na negativa e, nervosamente, alertou que era a palavra do garoto contra a dele. Aí já viu, né, rolou o barraco. Bate-boca, insultos, provocações. A gente não ia perder a nossa grana. Foi aí, em meio aquele ciscado, que eu saí com essa: “se não resolvermos isso na paz, vai todo mundo pra Central”. Mas, já! Foi logo que o troco apareceu. 

Um comentário:

  1. Isso só não é uma tragédia, porque houve um término sem mortes e recebemos o troco de volto. Ah, e o importante fato de termos uma digníssima persuasão.

    ResponderExcluir