quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

crônica remix - a parede

A parede da memória
Estive aí pensando sobre a capacidade que a gente tem de lembrar das coisas. Acho que por causa do enredo daquela novela da Globo na qual a trama se desenrolava a partir do roubo de uma criança ocorrido em 1968 e (caramba!), uma pá de tempo depois, o rapaz, irmão  da bebê raptada, dizia lembrar de tudo, tintim por tintim . Égua da memória!
Eu, por mim, não teria esta competência, mesmo porque tenho uma capacidade reduzidíssima de guardar as coisas. Até eventos acontecidos na biqueira, tipo  ano passado ou mesmo ontem de tardinha, já me são um sacrifício lembrá-los.
Aí, ante esta dificuldade, e como eu não tenho traumas  catalisadores como o pequeno da novela, crio uns mecanismos, arranjo uns truques que me voltem à cena.
Vou, digamos assim, tateando créditos, fuçando evidências, embaralhando ficção e realidade, até que a história se mostre coerente, verossímil , daquelas que não tem errada.
E se, no final as coisas se encaixam é porque estão numa lógica. Assim, a história, qualquer que seja, pode até estar longe na memória, fugir um pouco da realidade e ter uma pitadinha de vontades diluídas no mar de nossas frustrações, mas não fica nem um pouco destrambelhada . E esta passagem, eu juro de pé junto que aconteceu:
Era uma noite umedecida pela chuva fina, lá pelos idos de oitenta e poucos. Mês de julho. A debandada para as férias em Mosqueiro esvaziara a minha turminha da tertúlia na New Wave e eu voltava sozinho para casa.
Ali na baixada da Pedreira, o alagado era um só. Eu tinha que saltear as passadas entre os caminhos de terra firme e os estirões de pontes mal cuidadas que iam desde a Itororó até os altos muros da Escola Salesiana.
Grilos cantavam afoitos, pirilampos animados iluminavam tufos alastrados de capim, sapos coaxavam roucos em homenagem ao pampeiro que desabara sobre a cidade desde a tarde e que àquela hora da noite era só uma garoinha.
Ninguém na rua, mas eu não tinha medo. Já estava acostumado àquela batidinha noturna.
Quando enfim, eu dei na esquina do Centro Auxilium, que susto! Uma nave enorme, de fuselagem reluzente e luzes faiscantes pairava sobre a solidão da Alferes Costa. Flutuava a uns dez, vinte metros de altura, no máximo. Estava bem pertinho de mim. Pela janela, dava até pra ver uns equipamentos de controle e alguns ET’s verdinhos tagarelando e apontando insistentemente para mim. Explodi apavorado: “Égua, moleque, é o Chupa-chupa!” Depois as luzes foram ficando mais fortes, mais fortes, eu ficando encandeado, as luzes ofuscando tudo em volta, eu fui saindo de mim, me entregando a umas sensações estranhas...Depois, os sentidos sumindo...Sumindo...
Fui abduzido.
Isso aconteceu há pelo menos uns vinte anos. A minha memória, como disse, não é lá essas coisas. Então, que fique claro: a cantoria dos grilos e sapos, os pirilampos animados, os muros altos da Escola Salesiana, o alagado da rua foram mentirinhas criadas para apimentar a história. A solidão  da rua, as luzes faiscantes, uma reação apavorada e tudo o mais, são a mais pura verdade. A absoluta verdade. Juro.

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