quarta-feira, 20 de abril de 2011

crônica remix- poesia no ônibus

Borboleta, Lirismo e o UFPA-Pedreira
De 2004 pra cá, dei de estudar. Depois de 22 anos longe da escola (terminei o curso de Mineração na gloriosa Escola Técnica, em 1982), passei para Geologia, na Federal.
Uma nova situação, uma pegada que há muito eu não encarava: acordar cedo, dormir tarde, encarar os chiliquitos dos professores, partilhar inquietações com os meus jovens colegas, ter com a pesquisa, com o dever de casa...Ai, meu Deus, a prova na próxima semana! Com o trocadinho para o lanche no Ver-o-Pes’inho.
Soma-se agora, à minha lida diária, zelar para ser, daqui a alguns anos, um profissional que vai ‘cuidar das feridas da Terra’.
Uma batidinha rotineira que me revela a dor e a delícia de ser estudante. Principalmente a dor, quando tenho que andar de ônibus: é comum eu ser esculhambado por causa da meia-passagem. Acho que por causa de uns poucos, raríssimos cabelos brancos salteados entre o cabelo e a barba.
(E eu nem vou perder tempo dissertando sobre o direito que tenho sobre este benefício ou ratificando este direito com a minha participação nos movimentos pela conquista da meia-passagem na década de 1980 – eu estava lá na frente da casa do governador  me batendo com a tropa de choque da PM naquela noite de outubro - somente para atenuar o drama, porque o certo, é o mau humor do cobrador quando apresento a minha careta na carteirinha da CTBEL).
Vou considerar, então, que a marcação não é só comigo. Uns quantos estudantes passam aperreios nas mãos dos cobradores, todo santo dia.
Mas taí, dia desses, deparei com as delícias. Acostumado com uns balbucios enfezados que imagino (não procuro discerni-los) do tipo “Pô, tamanho um velho e pagando meia!” ou “vai te aquietar, coroa, vai tirar a gratuidade!”, dia desses, tive uma surpresa, no UFPA-Pedreira. Ao mostrar a minha carteirinha, fui recepcionado com o grunhido de sempre. E como sempre, pequei as moedinhas do troco e passei com mais de mil pela roleta sem dar trela pr’aquele ciscado. Eis, então, que, sentado ali, ao pegado da cadeira do cobrador, fui pouco a pouco, decifrando aquele zunido.
Ele dizia “bom dia, bom dia”. A cada um que, como eu, passava apressado pela borboleta. “Bom dia”. Sem discriminar ninguém. “Bom dia”. Todos eram afagados com o cumprimento matinal do cobrador. “Bom dia”. Só que ninguém percebia isso. Diluíam-se todos no interior do ônibus com a falsa lembrança do costumeiro esculacho. Mas ele, insistente (e acho até que consciente de sua inverossimilhança) “Bom dia!” ao trabalhador, a dona de casa, ao estudante...Legal, né?
Mas a verdade é que senti, no cobrador, um certo constrangimento (expresso no estribilho reprimido) como se estivesse subvertendo uma severa ordem. Enquanto que dos passageiros, me chegava o ar de pesada submissão: cicatrizes incuráveis de nossos dias. Pobres de nós tão familiarizados com a barbárie urbana, olha lá, quando de uma horinha abençoada como essa, passamos batido.
E lembrei de uma outra subversão de há alguns anos, no Pedreira-Nazaré. Havia por lá, um cobrador dado à poesia. Fazia as trovas e as espalhava pelos quatro cantos. Quando a gente entrava no ônibus e dava com os versos, o clima já ganhava uma leveza, uma paz. A cena apelava para a reverência quando ao final de cada quadrinha, a gente chegava ao subscrito “assinado, o cobrador”. E de pronto, a gente ligava o autor a obra. Ele, exibindo sempre um sorriso livre, sem culpas.
Esse, não durou muito. Depois de um tempo, sumiu das linhas de ônibus de Belém. Perturbou a ordem com seu lirismo. Uma pena, uma pena!


3 comentários:

  1. oi sodré, eu lembro da cara feia dos cobradores aqui em barcarena mesmo, quando eu viajava todo dia pra abaeté, principalmente quando era na linha belém via cafezal. aí era bronca na certa!!!! que bom que terminou. e esse teu curso, termina quando?!!!!

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  2. sodré, eu vi que o clube do livro tá na tua lista de blogs, mas o link é do clube antigo. será que você podia colocar o link do novo clube, por favor?!! http://clubedolivro-blog.blogspot.com
    obrigada

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  3. Sodré,
    Não se preocupe que, na vida, tudo é passageiro, exceto o motorista e cobrador.

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