sexta-feira, 8 de abril de 2011

Crônica da semana

Tomara que chova
Se bem me lembro, não foi declarado Estado de Sítio na cidade, mas deu-se tudo como se fosse. Era helicóptero dando rasante, carros pretos circulando amedrontadores, policiais despistados filmando todo mundo, ruas interditadas, olhares intimidadores em cada esquina. Era o julgamento dos 13 posseiros do Araguaia.
O caso ficou famoso, no início da década de 80, porque resultou também, na expulsão dos padres franceses Aristides Camiou e Fraçois Gouriou.
Na época eu defendia uns cobres como instrutor da colônia de férias na Escola Salesiana do Trabalho. Por causa deste emprego temporário não participei de todas as mobilizações. Só me liberei a partir do meio-dia e quando cheguei ao teatro de operações, parte dos manifestantes já estavam confinados (sitiados) na igreja da Trindade.
No dia anterior, o Movimento pela Libertação dos Presos do Araguaia (MLPA), reunido na sede do arcebispado (onde hoje está instalada a galeria Fidanza e o Museu de Arte Sacra), havia deliberado uma grande ação popular em apoio aos presos do Araguaia. Eu saí da reunião, já conhecendo todos os pontos de encontro. Mas o primeiro deles, caiu naquela noite mesmo (tínhamos infiltrados na reunião) e ao passar pela praça da República, fui logo preparando o espírito. A praça, do IEP até a sedutora esquina da Riachuelo, estava tomada de polícia.
A Trindade era a segunda alternativa. Chegando lá, encontrei com minha amiga Elza Fátima e nos postamos em frente ao prédio da OAB. A polícia controlava toda a parte anterior da praça, logo à frente da igreja. Era início da tarde, o sol ardendo e eu não tava gostando daquela história. Percebi que um comandante, do outro lado da rua nos olhava com olhos maus. Chamei Elzinha e propus a retirada. Mas foi batata. Um instante depois o comandante ordenou o ataque. Cães policiais excitadíssimos saíram abocanhando quem encontravam pela frente, inclusive o rapaz que estava bem do meu lado e que não quis correr com a gente. Varamos por trás das Lojas Americanas, entramos pelos corredores e disfarçamos por ali, olhando uma coisa ou outra. Na praça, o pau cantou.
Dali, rumamos para o outro ponto combinado. Igreja das Mercês. Boa parte dos remanescentes da ação já estava lá (os outros ou estavam presos na Trindade ou estavam machucados por causa do confronto na OAB). Na Mercês, havia uma infra. Água, comida, panfletos a ser distribuídos à população. Mas o governo não queria agito de jeito e maneira. Tão logo chegamos na escadaria da Mercês, despontou na esquina um ‘tomara-que-chova’ assim de policiais do Choque. Tudo de metralhadora na mão. A galera não arredou o pé. Eles então desceram e usaram as armas como calço para nos empurrar pra dentro da Igreja. Já pensou se um troço daqueles dispara? Aquilo foi demais pra mim. Dei um passamento. Suava frio, tava pálido. Alguém diagnosticou que era fome. Minha amiga Eliza Sena me levou pra sacristia e me atendeu com uma pratada de feijoada. Tomei um caldinho, mas na hora que eu ia atacar de vera, houve o comando para sairmos pra calçada novamente (ô, povinho de coragem!) e volvi à luta com aquela minha coragem glacial e descolorida. E o Choque de novo calçando... e todo mundo se espremendo dentro da igreja. E foi assim, a peleja, até terminar o julgamento.
No 31 de março próximo passado, tive a lembrança daquele dia. Não esqueço da imagem do cachorro mordendo meu companheiro, da nossa carreira desesperada pelo centro de Belém, do tomara-que-chova, das metralhadoras e dos meus passamentos. Não sei por que lembrei. Acho que por causa desses pampeiros que têm castigado a cidade.

2 comentários:

  1. oi sodré, volto aqui depois de umas semanas sem net!!! desisti da oi e tô com a vivo, vamos ver se quando morro. bom fim de semana.

    ResponderExcluir
  2. quan retornastes de porto velho te visitei,tu moravas em uma casa que tinha um pombal na parte de cima,e cheguei a ir contigo no salesiano,jogamos basket e merendamos bolacha maria com refesco de uvita,o teu botafogo foi campeão carioca daquele ano.........valeu mano. paulo sergio

    ResponderExcluir