sexta-feira, 1 de abril de 2011

crônica da semana

Blecaute amigo
Até a entrada em operação da hidrelétrica de Tucuruí, no início dos anos 80, faltava luz todo santo dia. Dava aquela hora xis, pluft, já era. Blecaute.
Eu até que não sofria com aquele breu. Era a hora da molecada da Vila Mauriti se juntar para exercitar as radiantes sensações dos primeiros beijos nas brincadeiras de ‘pó-rouge-baton’ ou ‘caí no poço’.
E, pensando bem, tirando o tipo de diversão e as marcas que o tempo nos imprime (na tez e na alma, e que deixam para trás rubros sorrisos e bitocas inocentes), hoje não tá muito diferente. De vez em quando cai uma barreta e a gente fica no escuro.
Por isso nem me bati para aderir à campanha pela Hora do Planeta, sábado passado. Se eu não apagasse as luzes de casa, com certeza a concessionária não falharia, quer dizer, para manter a rotina, falharia sim, e uma barreta, certamente, cairia por aí. Pluft!
A Hora do Planeta é uma idéia bacana, meio romântica, mas tem lá o seu termo. É uma campanha que atinge muita gente, ativa uma pá de mídias persuasivas. E acende uma luzinha na nossa consciência com potencial de prover nossos modos e intenções com modernos conceitos de civilidade e respeito ao planeta.
É um movimento liderado pela WWF. Consiste no ato de apagarmos, por uma hora, as luzes da nossa casa.  E a gente percebe que o entusiasmo pelo mundo afora está cada vez maior. Ao longo do tempo, algumas cidades importantes têm aderido à campanha e expõem formalmente o apoio desligando a iluminação de prédios públicos, monumentos, pontes. As imagens das imensidões de pontos luminosos se apagando são, absolutamente impressionantes. E podem ser interpretadas como uma mensagem: muita gente tá a fim de refletir sobre o aquecimento global e dar uma pitadinha de colaboração para salvar o planeta.
Daí a gente tira que, se depender da WWF, das pessoas de boa vontade e de, tão ecologicamente engajadas, concessionárias de energia elétrica, a Terra vai vingar, por muito tempo ainda. Ah, e da minha filha Amaranta Maria, também...
Não, falando sério, a menina se dedicou. A semana toda ficou lembrando, preparando a casa, a família; checando a programação mundial, os fusos horários; arranjando uma ocupação para a Hora do Planeta.
Não estávamos juntos, no momento do apagão. Eu, por motivos alheios à minha vontade, fiquei aqui em Barcarena e ela, em Belém. Pra quê! A menina, logo após o sol se pôr, se pôs a ligar lembrando do meu compromisso com o futuro. Foi-não-foi, tornava a ligação. Quando me conectei ao msn, lá s’estava ela alertando: “pai, tens que apagar as luzes, a tv, a lanterna do celular, tudo...”. Tá, tá, respondia meio que pressionado. E ela, de relógio ao pegado, medindo o tempo restante, de vez em quando dava um alô avisando.
Amaranta Maria é uma garota dada a essas coisas. Cuida, com zelo, das suas missões ambientais. Canso de vê-la chegar em casa com a mochila cheia de resíduos que ela não tem coragem de descartar por aí. Guarda o seu lixinho até dar a ele uma destinação mais correta.  Em casa, é cricri. Pega no pé. Lâmpada? Usou, desligou. Não estraga comida, lanchinho... e ai de nós quando nos despreocupamos escovando os dentes com a torneira aberta. É carão na certa.
As notícias contam que, em Belém, ela conduziu a hora de breu com mão de ferro. Pouco antes das oito e meia, fiz como ela mandou. Desliguei tudo, dei uns embalos na rede e adormeci.
Taí, se depender da WWF, das concessionárias de energia elétrica, e de Amaranta Maria, o planeta está salvo.
Mais tarde, quando acordei, vi, no celular umas quantas chamadas não atendidas e a inquiridora mensagem: “e aí, tás no escuro?”.

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