quinta-feira, 2 de novembro de 2023

30 de operário em Barcarena - a história

 O choque

 

De volta à realidade e concluídas as fases de preparação (e sonhos), passamos a dar expediente nas instalações da fábrica.

Era uma legião de profissionais, todos com currículos enriquecidos nos cargos de supervisão ou em competências técnicas. Mas a fábrica não precisava só de gênios, supervisores e obreiros gabaritados. A grande maioria daquela mão de obra qualificada iria para o chão da fábrica.

Quando da viagem para Ouro Preto, já deu pra sentir a barra que era ser peão linha de frente. Meu treinamento foi na mesma área em que eu seria lotado em Barcarena. A empresa em Ouro Preto era bem antiga, alguns parâmetros de controle ainda eram manuais, outros analógicos e uma vasta lista de manobras de rotina era executada na base da marreta. Para mim, um golpe duro. Acostumado que estava ao longo da vida profissional a manejar apenas a lapiseira, quando me vi golpeando uma marreta sobre uma haste de válvula emperrada, quase que tenho uma piripaque de tamanha frustração.

O choque começou a se concretizar em escala que eu poderia classificar como humilhante, no momento em que, concluídas as etapas de treinamento e estágios, passamos a dar expediente nas instalações da fábrica. Ainda um caminho longo a ser percorrido para o início das operações e aquela ruma de gente se topando pelos prédios administrativos. A solução encontrada foi nos dar atividades alternativas. Por pouco, não fui servir cafezinho. Se fosse o caso de chutar o balde, chutaria nessa fase. Embora nosso grupo sinalizasse com adestramento sobre o sistema de cada área a partir das plantas e circuitos disponíveis, nosso chefe imediato declinava a cada vez que fazíamos a proposta. Decidia por nos distribuir tarefas outras. Passei um tempo na máquina de xerox. Nunca na minha vida, tinha sequer abelhudado de palmo em cima como funcionava aquela máquina. Resulta que algumas vezes, ainda fui admoestado por não gerar cópias conforme a vontade do solicitante. A sorte é que revezávamos na operação da máquina e um ou outro que já tinha um quê a mais de conhecimento, partilhava os macetes do manejo. Hoje em dia até me arrisco a fazer uma cópia frente e costa, certinho na fita e na métrica. Aquela experiência na xerox pode até ter segurado a minha vaga na empresa e emprestado alguma habilidade à minha trajetória pessoal, por outro lado, para  minha carreira de Técnico em Mineração com mais de dez anos de formado, aquela foi por certo, uma passagem vexatória. Pelo conhecimento que tinha, esperava bem mais.

Não considero esse meu sentimento, uma nesga de presunção, de ser o que a folhinha não marca. Fosse só comigo, até que então. Outros também passaram pela mesma crise. Operários da elite dos químicos de São Paulo, das refinarias de petróleo, acostumados a altos salários, benefícios vários, íntimos ao status de setores produtivos privilegiados, ali, revezando comigo na xerox, também manifestavam descontentamento.

Estávamos no mesmo barco. Ser forte para superar aqueles contratempos, era necessário por vários motivos. Eu acabara de saber que iria ser pai. Um motivo que me deu forças. Não era hora de pavulagem.

Como foi adiantado, teorias e construções intelectuais não eram a exigência para grande parte do grupo. A empresa já contava com um time para aplicar o conceito inicial da operação. Treinamento, estágio, realizações práticas, braços, sim. A fábrica precisava de cabeças que pensassem como ela pensava e de músculos. Naquele primeiro momento, a operação seria levada no muque, por aquela galera do rés o chão.

É nessa ordem que a história deixa de ser tratada pelo seu lado mais despretensioso, sai daquela insensatez do jogo de futebol de madrugada e das fantasias sentenciando que aqui na Amazônia tem leão, e vira radicalmente para a seriedade da tão falada relação capital-trabalho.

O regime de trabalho. A tabela de turno cruel

 

Depois da xerox, fomos acolhidos em um prédio destacado e lá sim, pudemos estudar as plantas e as fases do processo com detalhes.Sem tutor. Ficamos meio por nossa conta. Um que entendia mais abria um estudo, desenhava no quadro, simulava situações. Aquela era a ante-sala da partida da fábrica. A qualquer hora iríamos para o regime de turno. Não havia interferência das chefias, a não ser na questão da formação dos turnos.

E, pelo que avaliamos, aquele era o grande impedimento de rodarmos os turnos imediatamente. À época ainda formávamos como quadro da Albrás e éramos beneficiários do Acordo Coletivo em vigor. Para o trabalho de turno, a Albrás operava com 5 turmas em jornadas de 6 horas por turno. Este era o modelo de turno que apavorava a direção da Alunorte. No entanto era o modelo legal e referendado em acordo com o Sindicato.

Havia dentro da Alunorte, a defesa de uma outra tabela de turno com o emprego de somente 4 turmas que era o que o contingente inicial permitia para uma operação segura em números de operários. Naqueles dias, percebemos que a Alunorte entraria em operação com um quadro enxuto. E antevíamos uma sobrecarga de trabalho para aqueles que colocariam a fábrica em operação. Este modelo defendido pela empresa, embora estivesse fora dos parâmetros da legislação, poderia ser aplicada caso houvesse a aprovação da categoria e o referendo do sindicato por meio de instrumento jurídico próprio. Um Acordo celebrado exclusivamente regrando o trabalho de turno de revezamento.

Nessa época houve uma mobilização nossa em favor da ‘tabela da Albrás’, ou tabela francesa, como era conhecida a composição de turmas e jornadas. E da empresa, em favor de uma tabela mais enxuta. Aconteceram embates entre os representantes da empresa e os trabalhadores, lá no prédio destacado. A empresa elaborava listas com assinaturas a favor da tabela dela, nós fazíamos as contas, relacionávamos as perdas e a carga de trabalho. Era um movimento contínuo em busca do convencimento, de ambos os lados.

Nesse período, conheci e me aproximei do Sindicato dos Metalúrgicos. Era o sindicato que representava os trabalhadores da Albrás e nós, até ali, éramos funcionários da Albrás. Vivemos uma experiência de negociações para o Acordo Coletivo ainda na Albrás. Participamos, votamos, nos envolvemos e levamos as discussões da tabela de turno para ser encaminhada pelo sindicato.

A tabela só poderia ser modificada com o aval do representante da categoria. O sindicato sequer cogitou esta possibilidade.

E a fábrica entrou em operação com 5 turmas.

Com pouco tempo de operação, com os problemas aparecendo, ajustes, aprimoramentos, novas demandas, adaptações no modelo operacional que já eram até esperadas, verificamos que a composição das turmas não suportaria a carga de trabalho. Era pouca gente nas equipes para tarefas múltiplas por jornada. Das duas, uma. Ou a empresa contratava, ou mudava a tabela para 4 turmas.

A tabela mudou e da forma mais traumática e sorrateira.

 

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