sábado, 1 de janeiro de 2022

crônica da semana - primeira dose

 A primeira dose a gente não esquece

Ao voltar pra casa, depois da vacina, senti como aquela frase era forte e verdadeira em mim...

Uma chuvinha fina molhava a manhã. Antes, uns dois ou três dias, estava bem dedilhando palavras soltas no computador quando fui informado pela família que a data da minha primeira dose estava assegurada. Entraria na lista de pessoas com comorbidades. Catei meus laudos e me arrumei naquela manhã. Seria a primeira vacina da família. Este detalhe me entristecia. Boa parte dos países do top do Brasil já estava vacinando desde dezembro. Aqui, a negação, o boicote, o sadismo, os subterrâneos de negociações suspeitas retardavam a aplicação das primeiras doses. Em maio a campanha caminhava a passos curtos (como hoje, já na biqueira de outro ano, ainda é um custo chegar a 70% da população com as duas doses)...

Tornei às duras batalhas que enfrentei na época de militância sindical: abraçava as causas com toda força que eu tinha. Quando me encontrava com a categoria, sem romantismos ou determinismos, procurava envolver os trabalhadores no fervor que tomava conta de nós em horas de difíceis decisões. Nunca levava o sentimento de derrota prévio, mesmo diante de cenários desfavoráveis. Para nos animar coletivamente, as vezes que eu pegava o microfone, fazia questão de recitar uma frase de incentivo. Potente. Destemida. Moldada à metáfora, mas reveladora: “Vamos cair. Vamos morrer. Mas antes de morrer, nós vamos viver!” Esta frase esteve na base de todas as lutas que realizamos na caminhada por direitos e dignidade no trabalho...

...Desde o início da pandemia, foi uma das poucas vezes que saí de casa. Minha filha me acompanhou. Mais nervosa e emocionada que eu. Parecia mesmo que eu era uma pessoa frágil, moribunda, que exigia cuidados refinados ao sair de casa. Na real, era assim mesmo que eu me sentia. Sem a vacina, parecia que, por uma débil lufada de ar, seria abatido. Ao mínimo descuido com os protocolos, deixaria o coração e um bocado de coronárias obstruídas ao alcance do vírus.

Naquele 6 de maio, sob o céu nublado, uma aglomeração doce, uma ansiedade molhada, e minha filha cheia de cuidados, eu, que caindo estava, levantei. Veio a agulhada tão desejada. Consegui fazer uma saudação ao SUS, aos profissionais da saúde e nada mais agüentei falar. Caí no choro. No silêncio da minha emoção, de dentro das minhas mais otimistas memórias me veio a frase de luta, de resistência. Antes, antes da negação, da intolerância, dos ataques vis, do deboche que o sofrimento de muitos inspirou em uma malta infame que destrói o país; tive certeza que dali, daquela agulhada em diante, iria viver, antes de morrer. Voltaria ao front. Me ofereceria ao combate com todas as minhas forças. Igual aos tempos de dirigente sindical, a frase que me animava e dava sustância aos meus companheiros, ressurgia energizada.

A primeira dose, para mim, significou esperança. Em verdade foi vitória da humanidade sobre um inimigo de muitas faces. Recebi minha carteirinha e considerei ser possível voltar ao trabalho, cantar Chico Buarque com Mateus Benassuly; Beatles com Susi e Válber. Visitar meu compadrezito e comer aquela tapioca maravilhosa no café da manhã. Almoçar com a Lu, no mercado Bolonha, zanzar pelo Ver-o-Peso nas tardes de sábado, passar o fim de semana com meu filhinho na Nova Belém (respeitando os protocolos, obviamente).

Salve 6 de maio! Viva o SUS. Viva a ciência. Formemos no front, e que venha o ano novo. Sim, vamos viver!

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