sábado, 25 de dezembro de 2021

crônica da semana - roupa nova

 Roupa nova

Criança quer brincar. E deve brincar na idade que tem. Seja velhinha no cuidado da varanda, seja no berço apreciando o móbile. Seja homem maduro apanhando o ônibus lotado no final do expediente. Ou executiva independente livrando-se dos sapatos depois de um dia de formalidades. Criança de todas as idades, serelepe e pidona, encosta o nariz na vitrina. Expande o olhar, localiza no fim da prateleira, a bola Rivelino, as pecinhas de montar, aquele conjunto de mágica. Deseja arvorinhas coloridas de Natal, uma lata de petecas, o ludo com aquele dadinho novisco, um tubo de varetas coloridas. Tudo cobiça. Ah, o autorama! Quem me dera um aquaplay! Reina pegar aquele mundo de brinquedos, colocar num saco e ganhar as ruas de sonhos.

Conto que não canso por aqui que minha perdição é a bola. E que  até hoje, não resisto. Às vezes, perambulando mesmo por corredores de lojas chiques e formatadas nos recatos do ar refrigerado, nem somo com as etiquetas. Se passo ao pegado das gôndolas, desço uma bola, dou umas solas, realizo uma embaixadinha, uso, presunçoso as duas pernas, aparo naquela amortecida de fina categoria, de colar a pelota no peito do pé e depois devolvo a redonda batizada para a exposição. A turma da loja, reclamar, reclama, mas releva por fim, ao conferir o velhinho aqui dar à luz as presepadas com a bola, como se criança sem regras fosse.

Bato e rebato que no Natal, as crianças têm que ganhar presentes. E o mimo tem que ser da parte da brincadeira, peças lúdicas, artes do divertimento. Algo que as faça sonhar, liberte a imaginação, ative os sensores da felicidade. Porque nada mais insosso que, em plena manhã do dia 25, sair para a rua de mãos vazias. E ainda ter que responder com aquela sensalzice, pra garotada que se diverte a valer com seus brinquedos, que ganhou sim um presente. Ganhou uma peça de roupa nova.

Minha geração era ali, ali para enfrentar esse desconcerto. Penso que havia uma regra básica que definia não ser importante para criança pobre, ganhar brinquedo. Tinha que receber do bom velhinho, haveres objetivos, de fins práticos. De vera era mais uma ajuda para viver os dias. Uma roupa de sair, um par de sapatos que servia para ir à escola e a todas as outras partes, aquele pacote escolar, lápis, borracha, cartilha universal e um caderno de papel almaço com pauta. Tudo deveria ser útil e do uso diário.

Mamãe era dada a essa arrumação. Né querer falar não, nem cobrar a criação que recebi de minha santa mãezinha, mas daquelas vezes que fiquei sem brinquedos de Natal em troca de roupa nova ou coisa que lhe valesse tal e qual, tenho a maior bronca. Me arrepio de banzo só de lembrar as manhãs inertes do dia 25.

Na lembrança me ocorre, também, as campanhas da Escola Salesiana. Dona Mariazinha conseguia inúmeras doações ao longo de todo ano. A garotada pontuava a cada carimbo que recebia atestando a presença no oratório salesiano. No dia de Natal trocava os pontos pelos objetos doados. Eu atuando como voluntário, e contaminado pela frieza da serventia, procurava convencer os pequenos a levarem redes, panelas, louças, víveres o máximo que os pontos pudessem comprar. Ainda bem que não ligavam pra mim. Escolhiam era o que tinha de brinquedos e saiam de lá transbordando de felicidade.

Os anos passaram e sarei dos sentimentos vãos. Aviso logo, que se quiserem me presentear, façam-me feliz no cuidado da varanda e me aviem com um brinquedo. Nada de roupa nova. Vale o alerta de que tenho desejos frugais. Sendo uma bola...

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