sábado, 4 de fevereiro de 2017

crônica da semana- Ipê

O conto do Ipê
O Ipê é árvore das mais bonitas. Copa ordenada, colorida. Tronco estiradão. Trata-se, sem um isso de senão, de uma árvore pra lá de elegante. Mas não marque um encontro tendo como referência um frondoso Ipê, no auge da florada...
Não fosse o compromisso assumido lá atrás, no lugar do Pau Brasil, a árvore símbolo do Brasil seria o Ipê. Muitos defendem esta possibilidade. Eu embarco na onda. Nada mais brasileiro do que um Ipê amarelo se mostrando presunçoso sobre a mata verde.
Também o conheci por nome Pau d’arco. Um nome mais pra fazer frente ao outro pau, o Brasil. Penso até, afinado com a sua utilização como madeira de lei.
É belezura que se estende por todo o território brasileiro. Aqui, acolá a gente topa com um mais bonito que o outro. Ocorre em cores variadas.
Exibe-se nas alturas. Um pé pode atingir 30 metros além do chão. É lindo de se ver e de se imaginar.
Até um dia desses, eu imaginava que as folhas é que compunham a parte colorida do Ipê. O colorido vem das flores. A altura da copa, que dificulta o discernimento, pode ser uma explicação para esta pequena confusão.
Aconteceu comigo assim: embrenhado nas matas, atuei, por diversas vezes em campanhas de pesquisa. Era no brabo. No bruto. Floresta robusta, tudo igual. Chance alta de desorientar-se. Tínhamos que desenvolver mecanismos de navegação. Havia um grupo de profissionais especializado nesta arte. Reconheciam determinada área de helicóptero, aplicavam a técnica deles, lá, e depois disso, não erravam mais o caminho. Podia passar um século todinho, mas se possível fosse atender à demanda, eles iriam varar no local pretendido certinho. Pra gente, que ia por terra, a navegação era no charme mesmo. Havia momentos caríssimos para que a orientação fosse a mais precisa possível. A hora do almoço, por exemplo, era hora sagrada e ao mesmo tempo, tensa. Saíamos do acampamento cedo, com uma área enorme a explorar. Um dos membros da equipe recebia a missão de levar o nosso rango. Era um desafio. Ele ia no nosso rastro e quando rastro não havia, a gente descascava um tronco de árvore, lavrava um cambito e atravessa na casca do pau, indicando a direção; dispunha pedras uma atrás da outra, dando um rumo. Eu só sei que a gente ficava meio desesperançado de almoçar. Toda vez que a equipe aceitava uma missão, era assim ao largo imenso e incerto da floresta. Mas quando a gente dava fé, lá aparecia o companheiro, com a fieira de marmitas alçadas ao ombro, cansado, suado, amedrontado dos barulhos da mata, mas fiel. Amigo. Era um alívio, quando ele aparecia.
O furo foi quando usamos para a navegação um exuberante Ipê amarelo. No início, foi facinho. Quando descia a serra, ele já divisava o colorido e definia o trajeto.

Um belo dia, nos dirigimos ao trabalho, e a árvore lá, vistosa. Antes do final da manhã formou um tempo. Vento forte, nuvens carregadas. Nesse dia, não almoçamos. Caímos no conto do Ipê. Nosso marmiteiro se perdeu. Na volta para o acampamento, azuis de fome, nos deparamos com as flores amarelas no chão, explicando por que a nossa navegação falhou.

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