Hebreus
11
Ano
passado, falei aqui sobre uma vontade antiga que eu tinha de viver a jornada
diária de um trabalhador belemense. Isso porque, durante muito tempo, fiz
jornadas especiais, em cidades distantes, com horários e períodos de labuta
diferenciados dos moradores de Belém. Daí este meu desejo latente de ter uma
rotina radicalmente urbana. O símbolo desta lida seria a minha inclusão na massa
que se desloca às seis da tarde, do centro para a periferia, de preferência
apanhando o ônibus naquele vuco-vuco de aperreio que é Presidente Vargas, neste
horário. Sonho realizado. Tô completando um ano nesta lida.
De
aprendizado, ganhei o entendimento, a dimensão mais justa, um reconhecimento nítido
e confortável, do que é a fé.
Bem
que poderia, mas não tem a ver com o vuco-vuco, com ônibus lotado e as freadas
bruscas para arrumar a carga, queima de paradas, ou feéricos engarrafamentos.
Essas coisas a gente contabiliza como sendo os óbvios custos de desejos (meio
estranhos, por certo) realizados. Tem a ver, sim, com a natureza humana, com
pessoas comuns, seres mundanos, indivíduos diários e suas carências.
A
mais convincente definição de fé, me foi repassada por um pregador que entrou
no ônibus, no meu caminho de volta pra casa. E, segundo o pregador, pode ser
encontrada em Hebreus 11.
Já
acostumei com essas intervenções, durante a viagem. Sempre pelo comum,
protagonizadas por vendedores. Tenho até uma cota diária para atender a este
comércio transitório. Um trocado, sempre reservo para o ‘cocríssimo’ e
salgadinho, para os deliciosos bombons de chocolate, para o beijo-de-moça
maciínho, para o livreto de colorir ou de caçar palavras. Raros são os dias que
não chego com um desses produtos em casa. Às vezes, a oferta é múltipla, mas a
grana é pouca. Leva quem entra primeiro no ônibus. Pregadores são menos
frequentes, mas quando estão, fico atento.
Este
que me alertou sobre a fé, teve um peso especial. Primeiro que foi comovente no
testemunho, discreto na oratória e simpático no trato (nada de ameaçar com o
fogo do inferno, mesmo porque com o calor que faz em Belém, far-se-ia
redundante). E depois, porque tratou a fé no campo filosófico, humano. Cuidou
do tema como qualquer um de nós que tivesse uma vontade, estranha que fosse
(como a de pegar um ônibus em horário de pico), cuidaria. E deu o endereço:
Hebreus 11.
Em
casa, fui ao livro sagrado. A Bíblia revela que a fé é “a certeza daquilo que
esperamos”. Esta afirmativa para mim é límpida, otimista, aprazível. Não abona
ou indica religião nenhuma, sinaliza apenas que nossas vontades têm força e
razão de ser. Firme!
Não
comprei nada do pregador, mas me dei com ele. Passou por mim, dei-lhe o Real
que guardara para um ‘cocríssimo’ que pintasse, e acrescentei meu sorriso
conivente.
Nem
tudo é confortável, porém. Ainda em Hebreus 11, há um complemento que diz ser a
fé, “a prova daquilo que não vemos”. Diferente do verso anterior, esta afirmação
não alude ao humanismo, nem ao horário de pico, nem às carências humanas. Neste
caso, meu Real iria, com toda fé, para o cocríssimo, se cocríssimo houvesse.
Sábio pensamento e divagação.
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