Alma não tem cor (ou Axé,
vovozinho do Triássico)
Neste
ano tenho me batido com algumas provações. Meus ‘amigos se foram com pálidos sonhos
e restos de amor’, a economia mundial submergiu às profundezas abissais das
incertezas, meu computador bugueou umas quantas e dramáticas vezes, cortaram a
minha água, minha pressão subiu, minhas esperanças declinaram...Vai-te! Tenho
encarado umas pegadas que têm me dado uma canseira! Coisa pra Jonas, sabe
aquele da baleia? Minha paciência, que por vezes me abandona (mas, graças ao
bom pai sempre volta) tem sido o meu bastião de integridade. E haja paciência.
No
meio deste turbilhão, me veio não sei de onde, a tranqüilidade para dar uma
parada, para dar uma avaliada na vida. Fazer uma reflexão mais ou menos como
fez aquele personagem do Vargas Llosa em Conversa na Catedral. Quis localizar no
tempo, uma causa para estes reveses inesperados, superáveis, diga-se, mas
complicadinhos de se varar, reconheço.
Aí
vem logo aquela coisa, né, da personalidade. ‘Colhemos aquilo que semeamos’.
Apresentam-se vaticínios e conformismo. Mas sou racional. Faço estas
introspecções sempre com um olho no peixe e outro no gato. Prego uma realidade
rés-ao-chão, sem muito floreado.
E
eis que me vi como um sujeito normal. Moldado por incontáveis defeitos, umas
raras qualidades, atento à boa vontade, crente nos princípios que consideram
sempre a urgência e a onipresença dos conceitos de justiça e lealdade.
Valeu
a varredura na alma porque descobri que, das coisas que de mim se aproveitam, o
assentimento às diversidades se apresenta como um dos meus maiores créditos.
Não tenho preconceito de io ou de chio. Principalmente de cor. Não tenho nada
contra os brancos.
Mesmo
porque além desta fachada que exibimos como um pacote composto de umas células
algo versáteis, muita água e um sorriso cálcico, acho que nós, os seres humanos,
nos adiantamos um pouquinho. Vamos à alma. E ‘alma não tem cor’.
Por
outro lado, sei que muitos pensam que este pacote orgânico pode alterar as
relações e admitem a superioridade de um indivíduo sobre o outro por causa da
cor da pele. Lembro que somos ramos da mesma cepa.
Formamos
uma comunidade de mamíferos que se caracteriza pela desenvoltura bipedal, pela
presença do tele-encéfalo desenvolvido e pela sagacidade motora do polegar opositor.
Mas somos, no frigir dos ovos, mamíferos. Ricos, pobres. Pretos, brancos.
Mulheres, homens...Somos todos descendentes da ‘ânsia da vida por si mesma’
(eita frasezinha que me persegue, esta do Gibran, tão atual, tão
profunda...Evolucionista...). Este sapiens
que conhecemos, que inventou tudo o que tem de bom neste mundo, temperado pela
alma (e pelo polegar opositor, observo), refinado pelo sopro da sabedoria, não
é nada mais que uma variação temporal de um bichinho que lá na mais remota
história da Terra, venceu o poderio desmedido dos dinossauros e se firmou como
uma espécie extraordinariamente capaz de sobreviver e de gerar primos
engalanados e metidões como nosostros. Somos um produto elaborado de um ratinho
chamado Morganucodon, um nome pomposo, como requer a taxonomia, mas que aqui
entre nós pode ser chamado simplesmente de ‘o ratinho do Triássico’, numa
educada alusão a sua longevidade.
De
lá, do alvorecer da vida, herdamos esta indispensável capacidade de lutar por
cada dia, apesar das agressões naturais, dos répteis modernos, das provações (dessas
que a gente experimenta num ano bissexto), do preconceito e da brutalidade de Domingos
Jorge Velho. E ganhamos também, mais tarde, a confortante certeza elaborada pelo
tele-encéfalo de que a alma não tem cor.
Axé.
Eu fico embasbacado pelo fuzuê de palavras que consegues construir em tão poucas linhas. És mansidão para minha paupérrima livraria de pensamentos.
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