Mistérios do planeta
Descíamos
a ladeira, naquela manhã clara de sol. Ao longe, a estrada que vai dar no
Gurupi, iludia a minha visão cotidiana com um tremeluzir aquoso, resultante da
reflexão da luz no quente do asfalto.
Um
vale alargado margeava um rego de água que escorria tímido no meio de um
matinho rasteiro, lá embaixo. Dispersos, na planície, muitos bois pastavam
concentrados, cabeça enfiada na relva.
Avistávamos
os bois lá de cima, mas eles não nos viam. O corte na estrada formava um
barranco alto e nos tirava da cena. Mas parece uma coisa, um mistério! À
mediada que a gente foi se aproximando da parte mais suave da descida, e que o
barranco foi se afinando numa linguinha de nada de terra, os bois começaram a
sentir a nossa presença e iniciaram a formação. Foi impressionante! Parece que
houve um estalo coletivo no miolo dos animais. Aquele que se escorava
preguiçoso na encosta da serra, desceu para nos ver passar. O que ruminava
distraído no barreiro amarelo, também veio. O outro que se mimetizava malhado
com a folhagem fosca embicou decidido. Mais um que chapinhava brincalhão na
água rasa do riozinho, se adiantou respeitoso. Vieram todos. Como se uma ordem
severa vinda do misterioso grão líder dos ruminantes se espalhasse pelo baixão,
todos os animais que ali pastavam, tomaram o rumo da estrada e se postaram
disciplinadamente enfileirados à margem, a nos observar. Coisa que nos deu a
pensar, olha. Nunca esqueci aquela cena tão inusitada.
Desde
o início da descida, percebemos a movimentação, mas nem maldamos. Ao final do
barranco, no estirão plano da estrada, uma cerca robusta, farpada, criava forma
na lateral e se estendia até o outro lado do vale. Era o limite da manada. Pois
eles ficaram rés à cerca. Certinho, simetricamente posicionados, um do lado do
outro. Até onde a vista alcançava, tinha boi perfilado só na nossa bicora.
O
que terá acontecido para que aquele ajuntamento se realizasse? Mistério. Enquanto
nós que nos virávamos naquela pesquisa de campo, olhávamos pro lado e víamos
ali, no máximo, futuros bifinhos, será que os bichinhos nos tinham como bípedes
curiosos, depravados? Carnívoros nojentos e lascivos ou alguma coisa desse
gênero, ou coisas além? Mistério.
Em
outras aventuras, já me deparei com estes animais. Mas com outro perfil. Não
tinham este comportamento marcial. Movimentavam-se em desordem, explodiam em
carreiras, sumiam no braquiarão. Os bois que encontrei, num pasto na beira da
estrada, já bem pertinho do rio Gurupi, aqueles que evoluíram em trajetórias bem
definidas e ficaram ‘estaltas da silva’ de olhos tesos na gente, aqueles me são
até hoje o mais intrigante dos mistérios.
Outros
mistérios me envolvem.
A
escuridão perto e certa. O suor cristalizado que brota e pesa sobre mim. A cor
do medo e da dor que se define em borrões grises. O que sinto quando canto.
Quando danço. Quando interpreto eus intensos e mentirosos. Mistérios de arte e verdade.
Conhecereis a verdade e ela te comerá os olhos. Tantos mistérios céus e águas
me rodeiam e me embalam a vácuo.
E aqueles bois, à margem, de olho em mim.
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