Pois não é, jacaré
Eu amanhecia com aquela zoadeira
longe piriricando meu ouvido e isso sugestionava, pesava na hora de decidir.
Não tinha conversa, nem ponderação: O barqueiro ia pelo rio, atravessava a
cachoeira e esperava no remanso lá embaixo. A equipe, faria o arrodeio.
Durante o inverno amazônico de rios
têi têi e muita chuva, essa era a opção mais segura. E pra falar a verdade, nem
sei. Acho que em termos de segurança, era ‘elas por elas’.
É que o arrodeio compreendia cruzar
uma prainha que àquela hora da manhã era apinhada de jacarés. Não é história de
pescador, não. Era assim, ó. Mina de jacarés, um do lado do outro, esquentando
o couro aos primeiros raios de sol.
Quando digo que sou meio conforme de
cabeça, é porque tomo decisões desse tipo.
O que torna é que, na época que
trabalhei no Xingu, acampei, bem dizer, ao lado de uma das cachoeiras mais
temidas do rio. Era um estrangulamento radical que tinha, de ombreira a
ombreira, não mais de 70 metros. Acima daquele local, a largura do Xingu batia
fácil os dois quilômetros. Avalie então toda a água de 2km lá detrás passando
num estreitinho de 70m. Alta velocidade e profundidade assustadora, tinha esta
cachoeira. Pela missão do momento, tínhamos que encará-la todos os dias. Ou
não. A outra opção, eram os jacarés.
Quando, recém-contratado, cheguei ao
local para trabalhar, ouvi a história de um grande acidente na cachoeira.
Contava-se que numa das jornadas, a lancha voadeira foi sugada por um rebojo
enorme, o barqueiro não conseguiu escapar e a lancha emborcou. Sete engenheiros
que tinham vindo de São Paulo para uma visita técnica morreram. Foi o que ouvi,
não procurei aprofundar os fatos e nem checar se era verdade mesmo. Mas na
primeira travessia que fiz, da cachoeira, nem precisei de comprovações. A
volúpia das águas falava por si. Desde o primeiro dia, a respeitei.
O pessoal da minha equipe, a maioria
da região e conhecedor dos perigos, partilhava da minha decisão. E todos, ora,
nadavam bem pra caramba. Então, era na bucha. A água começava a subir, a gente
se ajeitava pelo arrodeio.
Caminhávamos sobre um pedral por boa
meia hora até darmos na prainha. De longe, ao avistarmos o amontoado de
jacarés, gritávamos, batíamos palmas, fazíamos a maior algazarra. Eles se
assustavam e um após outro, ganhavam o rumo da lagoinha que se estendia à
frente. Aí a gente passava na caté, cheios de poder.
Andávamos mais um bom bocado sobre um
lajedo muito acidentado, descíamos uma pequena encosta, nos embrenhávamos por
uma vegetação rasteira e espinhenta, até que, lá na frente, dávamos no remanso.
Esperando e mangando, toda vez, da gente, o barqueiro. Nos taxando de medrosos,
desconfiados. Tirando onda porque a gente evitava passar na cachoeira.
A cachoeira logo ali, em cima. Dava
pra ver a espuma se formando e a água estrondando contra as pedras. Olhava para
a minha equipe. Mais de 15 pais de família. Pensava na minha responsabilidade
aos vinte e poucos anos...E aquela zoada, piriricando, agora, perto, bem perto.
Me dando a certeza de que a opção pelos jacarés sempre foi a melhor.
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