sábado, 3 de setembro de 2016

crônica da semana- burrosnagua

Com os burros n’água.
A algumas prendas dos dias e das horas, me arvoro, todo prosa, estar passado na casca do alho. Não raras vezes, tenho dado com os burros n’água. Erro feio.
O estio do meio pra frente do ano é pauta que me enxiro dominar, e vou além, ensaio dele me aproveitar.
Agora, a partir de agosto, é tempo de adiantar aquele puxadinho, remendar a calçada, dar uma demão com tintas de cores vivas, nas paredes da casa. Os dias mais secos inspiram também para aquela tão anunciada caminhada matinal, com o sol saindo mais cedo. Estas tantas artes podem ser diligenciadas com toda a tranquilidade, sem aquele medo de a chuva vir e estragar tudo. De agora em diante, a chuva até pode vir, mas é chuva doce, daquelas que vêm só pra sentar a poeira.
A época é de empreender. De dar um empurrãozinho no processo produtivo. Fazer aquele capeamento no asfalto. Traçar planos, levantar barracos.
Foi o que fiz, há alguns anos, em Rondônia.
Trabalhava em pesquisa e no verão amazônico era a hora de investigar. Aproveitar as estradas transitáveis, o nível baixo dos rios e igarapés, o entardecer esticado. Era o tempo de correr atrás do minério.
Montamos uma senhora equipe. Reunimos o máximo de equipamentos. Escolhemos uma área com alto potencial. Tava fácil.
A mim, me foi dada a missão de ir à frente com uma pequena equipe a fim de ajeitar um local para montar acampamento.
Na primeira alternativa, uma boa perspectiva. Mas muito perto da estrada. Muito movimento. Risco de desconcentrar com as seduções que ecoavam do lado dali, da cidade. Era o caminho para os mais boêmios atrativos, para os largos folguedos.
Descemos no rumo do rio. Ali tava fácil.
Depois de uma subidinha bem inclinada, o barranco descia suave até se conformar num plano batidinho, limpo, com árvores baixinhas. Nem era preciso nivelar de tão certinho que era o chão. Limpar, bem pouco. Madeira mais aquela de forte, tinha logo ali em cima, depois  do barranco. Água, tinha mais adiante, no fim da planura. O rio pr’aqueles lados, corria farto de água doce e transparente. Tava na mão. O custo era acionar o restante do pessoal.
Em pouco mais de uma semana montamos quatro barracos, cobrimos com palhas verdes e amarelas, levantamos a cozinha, um pequeno almoxarifado, abrimos picada larga para o rio, para a retrete... para a estrada. Logo, caímos no trecho. Iniciamos uma grandiosa campanha que seria interrompida nas primeiras chuvas de Dezembro, porque tudo que parece fácil, no certo e no reto, não é. Há sempre a necessidade da ponderação e do discernimento.
Ao iniciar Fevereiro, a água já estava lambendo a estrada e o meu caminho por ali, só me permitia olhar de longe a cumeeira do nosso maior barraco lá embaixo, afogada nas águas muitas e alvoroçadas do rio. Fácil erguer um acampamento robusto, naquele plano. Difícil foi constatar que aquela área era daquele jeitinho exatamente porque era margem alagável, era planície periodicamente inundada pelo rio. Difícil foi reconhecer que, tão logo as chuvas chegaram, afundamos. Literalmente, demos com os burros n’água.


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