A minha alma canta
Há
alguns anos, estive na biqueira de visitar o Rio. Não visitei. Fiz uma conexão
no Galeão, iria ficar um tempão esperando pra embarcar, aí, quis dar uma volta
pela Cidade Maravilhosa. Guardei a bagagem, me aprontei todo. Quando saí do
aeroporto muitas opções apareceram para o passeio. Até demais, chega me deu um
sufocamento de tanta gente ofertando o serviço. E, bestão que sou, recuei.
Fiquei com medo. Do engarrafamento, do mito Rio. Fiz uma conta, calculei
horários, temi não voltar a tempo para meu novo embarque. Dei pra trás e fiquei
só na vontade.
Este
ano, bateu a coragem. Desde dezembro que programo. Catei informações sobre
preços de passagem mais em conta, hospedagem; pesquisei lugar que se come
barato. Marquei minhas férias junto com a dos filhos. Controlei as finanças com
disciplina espartana (nos primeiros dias de férias em Belém, não pus os pés na
rua, no firme propósito de economizar o máximo. Quase que proíbo os meninos de
respirar, só para garantir um fôlego a mais para a viagem. Toda a família numa
temporada no Rio exige uma austeridade monástica, porque sabemos que estando
tudo pela hora da morte, o custo desse passeio sai bem salgadinho). Decisão, um
planejamento chato, mas realista, uma força descomunal para vencer a poderosa
gravidade de Belém e cá estou eu pra lá e pra cá, balançando numa rede, na
varandinha do Alma de Santa Guest House, um simpático hostel localizado no
machadiano bairro de Santa Teresa, ouvindo minha alma cantar e, humildemente,
versionar Tom. “Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Essa crônica é só porque, Rio,
eu gosto de você.”
É,
verdadeiramente, uma cidade maravilhosa. Pra qualquer lugar que a gente mire,
mostra-se bela e sedutora. O Rio encerra em si a multi interpretação
tropicalista e revela o bonito no feio. Transubstancia o lirismo em recortes,
em margens e morros. Há poesia até na impetuosidade tectônica que domina a
paisagem e na casaria perigosamente suspensa. A plástica da cidade é coisa que
entontece.
Além
do desenho zelosamente criado por Deus, a geografia da lírica carioca tem muito
mais a exibir. E vou logo avisando, que ao contrário das águas frias da baía de
Guanabara, outras artes formam a minha praia porque, sabe-se, esta pessoa que
vos escreve, ‘não vai à praia. Esta pessoa bebe’. Então...
Nos
primeiros instantes na Guanabara, orientei minha bússola pela fragrância
ritmada dos tons e semitons de Ipanema, onde partilhei cada cantinho como se
houvesse ali, ainda o gingado da garota ou o copo sempre bem suprido de
Vinícius, ou ainda o teclado inquieto da máquina de datilografia de Carlinhos
Oliveira. Reconhecer o habitat de Rubem Braga, Tom Jobim, Laura Alvim, Millôr
Fernandes, entre tantos expoentes da cultura nacional, já inebriaria minhas
férias, não houvesse horas depois, conhecido a Lapa.
A
Lapa me deixou aluado, (literalmente) sem equilíbrio ante um mundo convulsivo. A
Lapa é uma Babel paradoxalmente harmonizada, um borbulhado de estilos e invenções
de vida. Mais fervorosamente convicta, na Lapa, a minha alma boêmia canta (e
confesso que por causa do dito inebriamento, tropeçando aqui e ali nas
palavras, mas canta).
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