sábado, 18 de abril de 2015

crônica da semana - fora da raia

Fora da raia
Uma vez eu fui atropelado. Essa é a história que está fora da raia.
A que está dentro:
Foi no dia que eu passei no vestibular pela primeira vez. Já estava na casa dos trinta, dez anos trabalhando por esses matos. Dei um tempo (forçado) em Belém (passei uns meses desempregado) e me dispus encarar a Universidade. Uma eternidade sem estudar me fez dar uma volta nas minhas intenções. No ramo da Mineração, meu caminho mais lógico ia varar no curso de Geologia. Mas desisti. Naquele tempo, o vestibular era segmentado em áreas específicas: CE, CH e CB. Geologia estava no bolo de CE, aí já viu. Me pelava de medo das específicas de Matemática, Física, Química. Por afinidade, me bandeei para a Geografia, que estava lotada na área de CH. Relembrei a montagem de uma regra de três simples, decorei as relações desarmônicas dos seres vivos, a valência do Alumínio, encarei a prova de Conhecimentos Gerais e a minha nota ficou ali, na média. Fui para a segunda fase e nas específicas de CH, mandei bem. Li “A História da Riqueza do Homem” que era uma leitura bem afinada com a modalidade de vestibular da época e passei os olhos sobre um encarte recém-lançado do Vicentini que anunciava uma Nova Ordem Mundial. Foi batata. Duas leituras fundamentais para eu passar entre os 40 calouros de Geografia no ano da Graça de 1993.
E aí, parari, parará, voltemos aos causos não contados. Fui atropelado. Estava patetando, desempregado pela cidade quando saiu o resultado do vestibular. Ao chegar em casa, familiares e amigos me receberam com uma ovada no cocuruto e um banho de Maizena. Repliquei, resisti. Não achava que o fato merecesse aquele tipo de comemoração, afinal, eu já era um senhorzinho de trinta anos e esse negócio de trote era coisa pros meninos novos. Aceitei a zona toda e um banho de urucum, considerando os argumentos de minha amiga Eliza Sena que, formada em Psicologia, com muita luta, sustentou que passar no vestibular é sempre uma vitória. Em qualquer fase da vida. Foi a conta. É mesmo, admiti. E me dei o direito à pândega. E tome gelada! E raspa cabeça. E chega gente. Foi pai d’égua.
Mas o pobre, a gente sabe, é sujeito adverso. Tá alegre, tá. Ocorre que sempre há um contratempo, uma adversidade. As coisas na vida do pobre são um custo enorme para serem plenas. Fui atropelado.

Saímos de carro, visitando amigos. Na volta, resolvemos passar na casa do meu padrinho Altair Rocha de Oliveira. Paramos o carro, atravessei a rua. Na Marquês, asfaltada recentemente, o fluxo mais constante de carro ainda era uma novidade. Não estávamos acostumados, nem nos cuidados, nem nas obrigações. Depois dos cumprimentos, das felicitações e da bença do meu padrinho, quando pus o pé na pista para atravessar de volta, um carro na contramão me suspendeu. Caí de costa, todo escambimbado. Ainda no chão, vi o motorista se aproximar, chegou pertinho de mim, pegou o retrovisor que havia quebrado com o choque e foi embora. No dia de muita festa, rolou a preocupação, uns arranhões, e a história, fora da raia, de um retrovisor.

Um comentário:

  1. Nem uma maozinha pra levantar?!? Nenhum pedido de desculpas?!? Que lástima...

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