Fora
da raia
Uma
vez eu fui atropelado. Essa é a história que está fora da raia.
A
que está dentro:
Foi no dia que
eu passei no vestibular pela primeira vez. Já estava na casa dos trinta, dez anos
trabalhando por esses matos. Dei um tempo (forçado) em Belém (passei uns meses
desempregado) e me dispus encarar a Universidade. Uma eternidade sem estudar me
fez dar uma volta nas minhas intenções. No ramo da Mineração, meu caminho mais
lógico ia varar no curso de Geologia. Mas desisti. Naquele tempo, o vestibular
era segmentado em áreas específicas: CE, CH e CB. Geologia estava no bolo de
CE, aí já viu. Me pelava de medo das específicas de Matemática, Física,
Química. Por afinidade, me bandeei para a Geografia, que estava lotada na área
de CH. Relembrei a montagem de uma regra de três simples, decorei as relações
desarmônicas dos seres vivos, a valência do Alumínio, encarei a prova de
Conhecimentos Gerais e a minha nota ficou ali, na média. Fui para a segunda
fase e nas específicas de CH, mandei bem. Li “A História da Riqueza do Homem”
que era uma leitura bem afinada com a modalidade de vestibular da época e
passei os olhos sobre um encarte recém-lançado do Vicentini que anunciava uma
Nova Ordem Mundial. Foi batata. Duas leituras fundamentais para eu passar entre
os 40 calouros de Geografia no ano da Graça de 1993.
E aí, parari,
parará, voltemos aos causos não contados. Fui atropelado. Estava patetando,
desempregado pela cidade quando saiu o resultado do vestibular. Ao chegar em
casa, familiares e amigos me receberam com uma ovada no cocuruto e um banho de
Maizena. Repliquei, resisti. Não achava que o fato merecesse aquele tipo de
comemoração, afinal, eu já era um senhorzinho de trinta anos e esse negócio de
trote era coisa pros meninos novos. Aceitei a zona toda e um banho de urucum,
considerando os argumentos de minha amiga Eliza Sena que, formada em
Psicologia, com muita luta, sustentou que passar no vestibular é sempre uma
vitória. Em qualquer fase da vida. Foi a conta. É mesmo, admiti. E me dei o
direito à pândega. E tome gelada! E raspa cabeça. E chega gente. Foi pai
d’égua.
Mas o pobre, a
gente sabe, é sujeito adverso. Tá alegre, tá. Ocorre que sempre há um
contratempo, uma adversidade. As coisas na vida do pobre são um custo enorme
para serem plenas. Fui atropelado.
Saímos de carro,
visitando amigos. Na volta, resolvemos passar na casa do meu padrinho Altair
Rocha de Oliveira. Paramos o carro, atravessei a rua. Na Marquês, asfaltada
recentemente, o fluxo mais constante de carro ainda era uma novidade. Não
estávamos acostumados, nem nos cuidados, nem nas obrigações. Depois dos
cumprimentos, das felicitações e da bença do meu padrinho, quando pus o pé na
pista para atravessar de volta, um carro na contramão me suspendeu. Caí de
costa, todo escambimbado. Ainda no chão, vi o motorista se aproximar, chegou
pertinho de mim, pegou o retrovisor que havia quebrado com o choque e foi
embora. No dia de muita festa, rolou a preocupação, uns arranhões, e a história,
fora da raia, de um retrovisor.
Nem uma maozinha pra levantar?!? Nenhum pedido de desculpas?!? Que lástima...
ResponderExcluir