quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Crônica remix - calma

Quando tudo pede um pouco mais de calma
O título da crônica de hoje vem da música “Paciência”, do Lenine. Mas embora os versos façam uma reflexão sobre o tempo e a relação respeitosa com tempo, seja um dos meus temas preferidos, não vou falar aqui sobre as inquietações, sobre os mistérios da nossa existência ou sobre a paciência.
Muito pelo contrário...
No caminho, enquanto a gente se apertava junto aos carros numa rua estreita da Cidade Velha, minha mulher me recomendava para ir com calma, não ralhar com ninguém, procurar resolver meu problema da melhor maneira possível e parari, parará. E eu, só no instinto: tá bom, tá bom, procurando sem sucesso uma sombrinha naquele meio dia abafado. Por dentro, ia ruminando. Havia ganhado de presente um celular simplesinho, mas dado com muito amor e carinho, no dia dos pais. Foi logo no início desta praga quando o celular ainda era um trambolho pesado e deselegante com aquele indiscreto display azul. Com cara de poucos amigos, ia me adiantando ali no sol, ouvindo um discurso que apelava para a paz e a harmonia entre os povos, ou no mínimo, para um entendimento possível entre mim e a galera da assistência técnica. A minha réplica, era sempre no automático: tá, tá bom. Deu-se que, com poucos dias de uso, o meu aparelho pifou. O display perdeu o azul e apagou. Isso não me apoquentou muito. Era fato batido pela praça que esta porqueira de display não estava dando conta e que a empresa o estava trocando sem muitos atropelos. Quando cheguei naquela loja bonita e confortável, numa das avenidas mais movimentadas do centro de Belém, sei lá, tive um pressentimento. Sabe aquela coisa que dá na gente? Tava muito fácil. Melzinho na chupeta. Peguei a senha, afundei no puff, e me aquietei, apreciando o movimento, me confortando com o ar refrigerado da loja, passando a vista numa revista de artistas famosos, olhando o vaivém da rua lá fora pelo transparente da vitrine. Mas com aquela sensação incômoda de que não era ali. Com aquela impressão de que estava bestando no lugar errado.  Quando chegou minha vez, que sentei de frente pra atendente, foi batata: não era ali. Por aí a gente tira como ficou o meu humor. Me mandaram para uma portinha, numa rua nos confins da Cidade Velha, fronteira com o arsenal de marinha. Lá eu me abalei pra assistência, piririca da vida, estoporando de calor e suando mais do que tampa de chaleira. 
Ao localizar o endereço, apressei o passo, deixei minha mulher lá pra trás exausta e apreensiva, e uma brisa tímida e quente ainda me trouxe algumas recomendações entrecortadas pelo vrummm dos carros passando rés à calçada, sobre o amor entre os povos ou coisa que o valha.  
Da feita que achei a portinha, pensei em bater a mão no balcão, dar uma pedrada no celular pra ele ir parar lá longe e ensaiei também buscar no léxico um palavrão deste tamanho em homenagem à operadora, ao fabricante do aparelho e até ao  ilustre Alexander Grahan Bell, reverentemente lembrado como litisconsorte destas aporrinhações modernas. Mas uma atendente doce e prestativa, não me deu chance para externar meus chiliquitos. Me recebeu com um sorriso deste tamanho, um ‘boa tarde’ restaurador, uma atenção comovente e uma água friinha que era uma beleza. Aplacou a minha fúria, a mocinha. Envolveu o meu celular num plastiquinho, pôs uma etiqueta com a indicação do defeito, me deu a ressalva e estimou uma previsão de quinze dias para eu passar lá e pegar meu aparelho funcionando. Deixei o trambolho lá e saí da lojinha sem reclamar de nada. Domado pela capacidade extraordinária da pequena de inspirar a paz (e olha que ela previu quinze dias para a devolução do celular, um tempo, que até eu por os pés dentro da loja, para mim era a mesma coisa que uma eternidade). 
Voltando ao Lenine: “o mundo espera de nós, um pouco mais de paciência”.

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