sábado, 15 de novembro de 2014

crônica da semana - Mariazinha

Mariazinha
Outro nome não tinha. Era só Mariazinha mesmo. Para a molecada, Dona Mariazinha. Aquela que tudo conseguia.
Ao menos três anos da minha vida, varei o Natal dentro da Escola Salesiana. Fazíamos a missa do Galo, nos estendíamos com a nossa peça de Natal e quando a gente dava fé, já era de madrugada. Uma passada rápida em casa, com a família. Uma rabanada farinhada de açúcar, um brinde com a Cereser, descanso pouco e, antes das oito, já estava de novo na Escola, para fazer o Natal dos oratorianos.
A pedagogia salesiana é pautada no lúdico. Para os discípulos de D. Bosco, uma estratégia de atrair os jovens é a evangelização ligada à diversão. Num passeio pela Escola, naqueles anos 80, a gente podia encontrar um enorme salão com mesas apropriadas para dominó, ludo, dama, xadrez, varetas...estruturas mais robustas para ping-pong, pebolim, jogo-de-botão. Na área livre, as peças mecânicas de rodopiar, a andorinha, o currupio; De balançar, a gangorra, o pula-pula. De descarregar as energias, o salesianíssimo spiribol. Mais para o interior da Escola, as quadras de futsal, vôlei, basquete, o campo de futebol, a piscina. Uma oferta vastíssima de recreação os garotos tinham ali, no oratório, domingo. Com uma condição: antes de folgarem na planada, tinham que carimbar a carteirinha na saída da missa. Ou seja, tinham que ouvir do início ao fim, a pregação do padre Lourenço.
Aí que Dona Mariazinha entrava. Um carimbo valia o ouro de Maria.
Deste o primeiro dia útil do ano, Mariazinha se abalava pelo comércio, pelas grandes casas de aviação, pelos empórios do centro, do entroncamento; pelos escaninhos do poder, pelos grandes depósitos, pelas lobrases da vida, pedindo doações.
Tudo que ela arrecadava durante o ano era arrumado no teatro da Escola no dia 24 de dezembro. Nós fazíamos a distribuição, cuidando para conferirmos valores justos a cada objeto disponível. E a natureza das doações variava de um super-mega-híper brinquedo da Estrela a uma lata de carne de desfiar.
No dia de Natal, era bonito de ver aquela ruma de coisas empilhadas pelos quatro cantos do teatro a espera de um dono. Tudo obra de Dona Mariazinha.
Não tive muito contato com ela. Poucas vezes a vi e não lembro se além de um ‘olá, como vai’, entabulei alguma prosa com ela. Era uma pessoa comedida, de poucas palavras. Tinha uma ligação fraternal fortíssima com o padre Lourenço. Assumia um compromisso, uma parceria com a Escola. Não era de muito marketing. Dedicava-se à ação. Durante o tempo que passei na Escola, Dona Mariazinha nunca faltou para os meninos.

Cada carimbo na carteirinha contava um ponto. Quantos mais pontos, maior a qualidade ou a quantidade dos presentes. A fila era organizada de forma que os primeiros a entrar serem os mais pontuados. A eles o direito de escolha. A gente orientava. Sugeria um utilitário que valia mais pontos, era caro. Um liquidificador, por exemplo, um rádio. Mas quando os moleques viam uma bola Dente-de-leite, uma Kichute, um Pocobol, endoidavam, queriam levar toda a fortuna de pontos em brinquedos. No geral, os arremates eram equilibrados, para os ricos em carimbos. A coisa ficava pensa era do meio pro fim, quando começavam a entrar os menos carimbados. Mas dava pra todo mundo. A missão de Dona Mariazinha era sempre cumprida. Vi muitos garotos voltarem para casa sem brinquedos, só com uma lata de Bordon e um pacote de macarrão número dois. Nada, nada era uma ‘intera’ para o almoço de Natal, pensava eu, do lado de cá do portão do teatro, sem certeza alguma sobre a minha felicidade natalina.

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