sábado, 28 de junho de 2014

crônica da semana - Pêta cajá

Pêta cajá
Os dias que passei de licença paternidade, foi pegando sol com ela. Descia a rua até lá no fim, depois voltava abeirando a calçada, tenteando os fios da luz boa da manhã. Minha pequena precisava daquela energia, daquela sustância de vitamina que os feixes luminosos das horas primeiras do dia traziam. Aqueles momentos de reconhecimento do mundo, as primeiras lutas para dominar os espaços e os tempos melindrosos, Amaranta tirou de letra. Deu de dez a zero naquela cor descolorada, indelicada e pra frente que a envolveu ao nascer. Depois dos cinco dias contados garantidos pela lei, meus braços já abraçavam meu bebê coradinho, rosadinho, de olhos graúdos e boca desenhada em coraçãozinho. Dali em diante o sol seria nosso amigo estimado: companhia bem vinda nas alvoradas, parceiro dileto nos arrebóis.
Quando Amaranta nasceu, eu tinha um violão que me acompanhava há anos, desde os tempos em que eu morava em Rondônia. Rolava um carinho muito grande por ele. Tínhamos uma história. Mas estava um tanto estiolado, pirentinho, descascando, com uma rachadura que fremia o som de forma descompensada, inconveniente.
A chegada de minha filhinha foi uma renovação. Para mim, representou a recriação da vida, a restauração da esperança. A menina trazia em si a força da mulher, a essência feminina, sábia e corajosa (nos primeiros dias, só passeando no colinho do pai, só absorvendo luz, não derrubou a névoa da palidez? Pois é. Veio disposta, imediatamente racional, naturalmente íntima das cintilâncias). Amarantinha nasceu me avisando da necessidade que temos das claridades, das harmonias...
No outro dia, cheguei em casa com um Di Giorgio zerado. Minha bebê ia ganhar uma música feita num violão novinho da silva. Tinha um bercinho, mas não se dava. Gostava mesmo era da rede. Chegava do nosso passeio matinal, a acomodava bem acomodadinha, embalava um embalo calminho. Pegava o violão e cantarolava: “Cantiga de ninar, filhinha/Pêta pêta/Pêta cajá/Pêta caju”. Era bem branquinha, trazia o gene da mãe na cor da pele, mas eu a chamava de pêta, de preta, de pretinha do pai, porque havíamos nos bronzeado ao sol da manhã. Ela unia as mãozinhas em torno do rosto, fazia uma carinha de satisfação, se entregava à delícia do embalo na rede, ao dedilhado do meu violão novisco e adormecia. Foi assim, com a música que começamos a nos entender. A nos conhecer, e a nos aninhar nos embalos da vida.
Hoje, Amaranta no encanto dos seus dezesseis anos completados na quinta-feira, praticamente comanda o meu gosto musical. Nos últimos anos, o que tenho conhecido de novidade vem das indicações de Amaranta. E vou na onda. Já tietei com ela a Tulipa Ruiz, fiquei espremido numa primeira fila ensandecida no show do Cícero, espiei meio de banda o canto diferente do Wado e, é só anunciarem que Camila Honda vai cantar, que Felipe Cordeiro tá por aqui fazendo uma apresentação, ou que a banda Zeromou vai lançar um EP, que lá vou eu, o pai me aprontando para acompanhar minha filha. Faço meu papel de tutor, de responsável, na companhia, mas também me divirto, ora, ora, porque os artistas que ela aprecia são, ó, preciosos mesmo. Também me dou com o som deles.

Fez dezesseis primaveras, minha Amaranta, essa semana. Já é uma mocinha decidida. Decidiu fazer teatro. No palco representa. Na vida, no entanto não se ausenta um segundo de si. Tem uma personalidade indivisa, tenaz. Obstinada, busca sempre, como nos primeiros cinco dias de vida, a claridade, as harmonias. E eu, aprecio, me surpreendo, tenteio, me certifico do bom disso tudo e ganho dias pra lá de felizes ao lado de minha Pêta cajá, Pêta caju.

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