sábado, 14 de junho de 2014

crônica da semana- linha de passe e

Linha de passe e confusão
Cruzamentos de informação, né. Os ‘do contra’ suportados em fieiras e mais fieiras de argumentos dos mais incisivos para contestar a copa. Os ‘a favor’, partindo para a deslealdade, atingindo o coração. A paixão pelo futebol. Tô confuso, estudando cuidadosamente os fatos, os tratos e contratos.
Aqui em casa, sou minoria, meus meninos que aderiram à turma dos “manifestos”, dizem que vão me amarrar no pé da mesa para me tirarem a possibilidade de me apossar do controle e sintonizar a TV nos jogos. O clima tá tenso, precisando de mediação. De Amarantinha nem maldo, desde que o Lucas, ex São Paulo, foi excluído do elenco, desistiu da seleção. Argelzinho, um menino que a vida toda só teve a bola como presente nos dias que eram de ganhar presente! Éras-te, deu uma guinada radical. Tá no clima de “copa é minha pororoca”. Tirando uma onda com o espaço-tempo, já que hoje é sábado e a bola já rolou para o Brasil, é incerto se vi o jogo ou não, na quinta. Consideremos que um mistério há de pairar sobre o desfecho de tão hamletiana contenda. Ser ou não ser um torcedor apaixonado, eis a questão. Ouço meus meninos e a ruma de gente do contra ou atendo ao puxavanco involuntário do meu pé que vem responder aqui no meio do peito e que me atiça um encegueiramento destrambelhado pela bola?
Meio campo congestionado este mês de junho. Anarriês, alavantus, balancês, formigueiros, e olha a chuva no fim da tarde!
Assim, como o pai da noiva me pego desconfiado. Não vou tomar partido deste ou daquele movimento. Se alguém quiser a minha opinião saio pela tangente afirmando que não sou contra nem a favor, muito pelo contrário.
Agora, pelo que se torna e pelo que se deixa, tenho que admitir que é muita crueldade, para mim que sou chegado a uma bolinha, ver este sufoco medonho em torno da grande área da vida. É uma pena que um país que fez a sua revolução, mesmo que timidamente, lutando na zona do agrião, se ache apartado de gozos e comemorações; uma frustração do calibre daquela de se encontrar cara-a-cara com o gol e chutar a grama, tropeçar e ainda cair de quatro. Penso assim, porque não podemos esquecer que ao trilhar do primeiro apito, o futebol era um esporte das elites. É de domínio histórico que os negros descidos dos morros esbanjando ginga e jeito não tinham vaga nem na grade dos times formados pelos brancos bem nascidos do asfalto; e para ganhar vez num segundo quadro que fosse, conta o cronista Mário Filho, tinham que usar touca para esconder o cabelo enroladinho e mascarar-se com o branco do pó de arroz. Elevar-se sobre a ignomínia do racismo com talento e graça, nos alteou a estima. Rompemos os grilhões estufando as redes. Uma revolução entre as quatro linhas, ora, ora, mas...
Não podemos nos ufanar. Nossa revolução precisa ser atualizada. Concordo com meus meninos. O país tem necessidades graves e imediatas. Considero apenas que não são imediatas de hoje. Ano após ano, governo após governo, nos afundamos em mazelas. Aceito também a afirmação de que o futebol é um lenitivo. Causa um alívio enganoso no povo (o que também não é de agora, e digo até mais, é quase certo pra mim, que o futebol tal como está submete-se a um sistema monstruoso, global, descomunal. Ilude). Mas ora bolas, como o futebol, a religião, o Agarol e carnaval são instrumentos fármaco-sociais tidos e havidos como o ópio do povo (exceção feita, com justiça, ao Agarol). E pelo amor de Deus, eu já tô me guardando pra quando o carnaval chegar. Ou não vai ter carnaval também?

A mim, antes da dúvida, reina a impressão de que a copa legal mesmo é na África dos outros.

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