quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

crônica remix - o plasil e

O Plasil e a Crise dos Dez anos
O frasco de Plasil jaz solitário sobre a mesa. Fora abandonado ali depois de mais uma “última discussão” do casal, dos contendores, dos cônjuges, dos nervosos protagonistas da Crise dos Dez anos.
Antes porém haviam passado rasteiro pela Crise dos Sete. Nessa época havia prazer em dividir o mesmo teto. Tinham orgulho em estar emboletados nas teias do amor eterno. E a vidinha ia seguindo regada por muitos “abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim”...Até que sobreveio à Relação, a temida Crise dos Sete anos:
- Égua, a gente não tem uma casa, a geladeira tá caindo aos pedaços, e, toma, segura a neném, que é a tua vez. – Desandou a reclamar a mulher, volteando a perna no espaço à cata da outra banda da chinela, que nessas horas agoniadas nunca está à mão, digo, ao pé.
O companheiro redargüi já abusado daquilo tudo e encara a discussão:
- Segura tu, a menina. Éraste, mas tu também, não tens calma. Não tens paciência pra nada!
Ela detestava quando ele dizia que ela não tinha paciência. Perdia as estribeiras, soltava o verbo e xingava a estirpe do marido desde a mais remota geração. Impacientava-se e saía de cena chutando os brinquedos espalhados pelo chão (sem o maldito outro lado da sandália). Ele, irado, entrincheirava-se na cozinha e ameaçava quebrar todos os pratos da cristaleira. As crianças, largadas diante da TV, tentando entender os Teletubies e tudo mais.
É, esta fase é terrível mesmo. Quando ele cometeu o crime inominável de furar o congelador tentando “um gelinho pra tomar um isquinho”, foi a gota d’água. A Relação ficou por um fio. Iam apartar mesmo. Mas as crianças...Pô, tudo pelas crianças...
Resolveram a crise sozinhos, sem a ajuda de especialistas. A verdade é que se amavam ainda. Os filhos, lindos, enchiam a casa de alegria. Dava pra salvar a Relação. Remendaram o congelador com Durepox, acertaram os ponteiros e vararam a Crise dos Sete Anos numa boa. Sem nenhum prato quebrado.
Parabéns, parabéns. Parabéns para quem? Dez anos de relação e a crise vem devastadora:
- Égua, a gente não tem uma casa, a geladeira tá caindo aos pedaços, e anda, anda, vai buscar as crianças na escola. Já deu a hora.
- Vai tu, vai tu. Nem vem, que eu preciso descansar. E para com esse negócio de falar gritando comigo. – O companheiro rebate o desaforo da mulher esgoelando-se embora exija da parceira o mais delicado tom na voz.
- Ai meu Deus, eu não aguento mais esta vida! Estou enjoada de ti. De tudo...Enjoada. – Desespera-se a mulher, assumindo de vez a sua decantada impaciência.
Foi assim que, de noitinha, ele chegou com frasco de Plasil e disse que era para ela ir tomando aí, por esses dias.
- O quê, mas pra quê eu vou tomar isso? – Perguntou ela, fervendo de raiva.
- Tu não estás enjoada? Olha, vou te explicar...
Ela odiava, definitivamente, odiava quando ele dizia “vou te explicar” com aquele ar professoral, arrogante. Com aquela detestável cara de sabichão, como se toda a Britânica fervilhasse entre as suas orelhas. Destemperou-se. Xingou amigos, parentes e aderentes do marido e saiu para a cozinha, em direção à cristaleira.
Ele esbravejou. Gritou que ela não tinha calma, não tinha paciência e que ele não via mais futuro para os dois. Saiu chutando os chinelos espalhados pelo chão.
As crianças, largadas frente à TV., tentando entender o Tinky Winky e toda essa espécie de coisas. Da cozinha, o barulho escandaloso de pratos se espatifando contra a parede.

É, quando chega a quebrar pratos, é hora de dar tiau.

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