sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

crônica da semana - duas estações


Duas estações

A coisa tem uma formalidade cartesiana. Todo ano é assim: varamos um mês de julho escaldante, mas aí como tem as férias, o bucolismo do ‘interlan’ paraense, a gente nem Seu Souza, não liga. Ficamos vexados mesmo é com o calor de esturricar humores, em agosto e setembro. Mais com pouco, em Outubro, a chuva vem miudinha, discreta, só pra umedecer o caminho da Santa, só pra fazer minar as mangas nos cachos das mangueiras que desenham os túneis verdes de Belém. Novembro é aquela espera, ainda afogueada. Dezembro tem aquela garoinha que não pode faltar, no dia de Natal e uma certeira, na batida da campa do ano: um pampeiro para encharcar entusiasmos na festa da virada. Daí que de Janeiro em diante, é água, maninho. Eis um breve histórico, de como chegamos num momento como este, em que  amanhece e anoitece o dia chovendo. 
Se a gente for dar reparo, o ano já se inicia com uma queda brusca na temperatura média. O mormaço diminui, já não temos aquele pavor de fim de tarde com nuvens altas e escuras nos abicorando na saída do trabalho e despejando estrondos e coriscos variados bem do ladinho da gente. O céu adquire uma tez mais suave, as nuvens são mais constantes e calmas, parecem algodões molhados passeando pra’li e pr’aqui sem cerimônias, sobre nossas cabeças, e sempre e indecorosamente, em tempo de arriar. O horizonte se mostra com aquela deliciosa textura de sorvete de bacuri e, não fosse, pela lida diária no trabalho ou o compromisso com a escola, ora se a gente não segurava mais umas horinhas na cama só aproveitando o ventinho que entra pela fresta da porta. Aqui, ali, o sol aparece. E quando aparece, dá o desconto. Como acostumamos com o tempo nublado, quando o sol dá as caras, parece que vem mais quente. Se a gente for ali à porta da rua, sem camisa, apreciar o movimento, a costa logo arde. Tudo arde e com uma intensidade desesperadora. A sombrinha nessa hora, tem também, um sentido na vida da gente, além daquela serventia usual de ser perdida num balcão de farmácia, no banco do ônibus, no caixa do supermercado... 
Hoje, enquanto escrevo esta crônica, o tempo tá assim, nublado, chuvas salteadas e um solzinho ardoso se enxerindo de vez em vez. No estaleiro, tento resistir a um dos males comuns neste período: a gripe acompanhada de seus mais implacáveis sintomas. Embora desconfortável e trazendo esta panema que nos derruba, este panorama úmido é a cara de Belém. Dos ciclos que o ano nos apresenta, este cenário regado à coriza nos identifica como resistentes habitantes desta faixa, exuberante e pouco entendida do Globo. Nos adaptamos. Como diz meu amigo Paulo Sérgio, nessas horas, meia cibalena, uma colher de mel com copaíba, um escalda-pé e tudo se ajeita. Vai embora a constipação. E é uma adaptação que impõe até transes conceituais. Ninguém consegue definir ao certo em que parte do calendário climático, estamos. Alguns dizem ser ‘inverno’, simplesmente. Outros qualificam: ‘inverno dos paraenses’. Uma parcela assim, assim, vanguardista lança mão do cientificismo pagão da Super Interessante: ‘verão chuvoso’. 
Não concordo com nenhuma dessas classificações. Todas têm um pecadinho em si, seja a redundância, seja a discrepância. 
(Vou lançar uma campanha para a escolha do nome de nossas duas estações. Taí, nesta afirmação, tenho acordo com o que se fala. Temos somente duas estações. Uma que chove um nadinha e outra que chove pra caramba. Já tenho os meus nomes. Para os primeiros seis meses “Estação das chuvas e dos rios têi têi”. Para os seis meses seguintes, “Estação do sol de rachar e dos rios poeirando”. Que tal?). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário