terça-feira, 3 de julho de 2012

crônica remix- priscila


Vida Real       
Quando eu era moleque, se me perguntavam o que eu queria ser quando estivesse mais taludinho, dizia logo que queria ser ator. Sério. Não ia com aquela conversa de bombeiro, polícia, central-beque do Asas do Brasil...Açougueiro. Nada disso. Desviava das coisas pertinentes à virilidade masculina e jurava de pé junto que queria ser ator.
E meu argumento para uma escolha tão inusitada naquela fase de chumbo dos anos 70, era um só: queria porque queria beijar a Sandra Bréa.
Hoje sei que pensar em ser ator só para beijar a beldade da vez não faz vingar uma carreira.
A profissão de ator é muito mais exigente e bem mais severa do que pode compreender um desejo de infância. Demanda dedicação, estudo... Desprendimento.
Eu tava, esta semana, revendo o filme “Priscila, a Rainha do Deserto”, e taí, neste filme eu encontro alguns quês e porquês importantes que traduzem a carreira de ator.
O filme é um show de interpretação. Traz atores consagrados em papéis varonis, brutos, rijos, fazendo as vezes de  drag queens. Em Priscila..., me impressiona a desenvoltura do ator Hugo Weaving no papel do atormentado e, ao mesmo tempo, despachado transformista Tick, nas mais desconcertantes aventuras pelo deserto australiano. Weaving é aquele mesmo que fez o malvadão agente Smith em Matrix e o compenetrado elfo Elrond em O Senhor dos Anéis.
Surpresa, mas surpresa mesmo é ver o excelente Terence Stamp assumir-se, sob uma contrafeita maquiagem, como a lúcida e antenada Bernadette, na regência de uma trupe colorida, em performances impagáveis para os clássicos drags (com destaque, é claro, para o indefectível I will suviver). Ele,  Terence Stamp, que alguns anos antes havia incorporado o irredutível, o inabalável, o impiedoso general Zot, o kriptoniano que fez o Presidente americano ajoelhar-se submisso diante dele, em Superman II.
Citei as experiências dos atores de Priscila... para mostrar que o ator vai do hio ao chio com muita elegância. Quis ressaltar a inesgotável capacidade que um ator tem (ou deve ter) de transmutar-se, de transformar-se. De viver vidas diferentes.
Mas poderia citar, também, o sacrifício. Como o dos atores de A Guerra do Fogo, confinados que foram às caretas e às macaquices dos homens pré-históricos. Ou as performances enobrecidas somente pelo marketing, como a batidinha sem jeito de um lindo e famoso hollywoodiano que se vê estimulado a dublar o azinhavrado Shrek.
Foi refletindo sobre a vida de ator que, certo dia, traçando um papo cabeça (regado por um bom vinho de supermercado. Vocês já sabem qual é, né? Aquele bucólico!) com o clown João Guilherme Ribeiro, que rolou esta homenagem:
“Eu queria ser ator.
Queria ser Sons de peito aberto. Gestos em punhos decididos. Segredos pelo canto da boca. Expressões verdadeiras a altura dos olhos/Eu queria sentir o gosto frio do falso beijo.
Não ser triste e chorar/Revelar-me na fotoquímica das telas e sorrir sem ser alegre/Eu queria ser feliz. Ser ator/Eu queria desnudar-me sobre o tablado diante da Intimidade da platéia/Eu queria ser emocionante. Risível. Medonho. Asqueroso/Eu queria ser ardiloso na penumbra de uma trama maligna e inocente, na singeleza de um doce romance/Eu queria viver a vida de todos os homens-mulheres em mim/ E não ser ninguém/Não ser nenhum personagem./Ser feliz. Ser ator/Eu queria morrer dramaticamente Para a multidão/E viver Serenamente em mim/Eu queria, na vida real, ser ator.
Sim, eu queria”.

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