Vida Real
Quando
eu era moleque, se me perguntavam o que eu queria ser quando estivesse mais
taludinho, dizia logo que queria ser ator. Sério. Não ia com aquela conversa de
bombeiro, polícia, central-beque do Asas do Brasil...Açougueiro. Nada disso. Desviava
das coisas pertinentes à virilidade masculina e jurava de pé junto que queria
ser ator.
E
meu argumento para uma escolha tão inusitada naquela fase de chumbo dos anos 70,
era um só: queria porque queria beijar a Sandra Bréa.
Hoje
sei que pensar em ser ator só para beijar a beldade da vez não faz vingar uma
carreira.
A
profissão de ator é muito mais exigente e bem mais severa do que pode
compreender um desejo de infância. Demanda dedicação, estudo... Desprendimento.
Eu
tava, esta semana, revendo o filme “Priscila, a Rainha do Deserto”, e taí, neste
filme eu encontro alguns quês e porquês importantes que traduzem a carreira de
ator.
O
filme é um show de interpretação. Traz atores consagrados em papéis varonis,
brutos, rijos, fazendo as vezes de drag
queens. Em Priscila..., me impressiona a desenvoltura do ator Hugo Weaving no
papel do atormentado e, ao mesmo tempo, despachado transformista Tick, nas mais
desconcertantes aventuras pelo deserto australiano. Weaving é aquele mesmo que
fez o malvadão agente Smith em Matrix e o compenetrado elfo Elrond em O Senhor dos Anéis.
Surpresa,
mas surpresa mesmo é ver o excelente Terence Stamp assumir-se, sob uma
contrafeita maquiagem, como a lúcida e antenada Bernadette, na regência de uma
trupe colorida, em performances impagáveis para os clássicos drags (com destaque,
é claro, para o indefectível I will suviver). Ele, Terence Stamp, que alguns anos antes havia
incorporado o irredutível, o inabalável, o impiedoso general Zot, o kriptoniano
que fez o Presidente americano ajoelhar-se submisso diante dele, em Superman II.
Citei
as experiências dos atores de Priscila... para mostrar que o ator vai do hio ao
chio com muita elegância. Quis ressaltar a inesgotável capacidade que um ator
tem (ou deve ter) de transmutar-se, de transformar-se. De viver vidas
diferentes.
Mas
poderia citar, também, o sacrifício. Como o dos atores de A Guerra do Fogo,
confinados que foram às caretas e às macaquices dos homens pré-históricos. Ou
as performances enobrecidas somente pelo marketing, como a batidinha sem jeito de
um lindo e famoso hollywoodiano que se vê estimulado a dublar o azinhavrado Shrek.
Foi
refletindo sobre a vida de ator que, certo dia, traçando um papo cabeça (regado
por um bom vinho de supermercado. Vocês já sabem qual é, né? Aquele bucólico!) com
o clown João Guilherme Ribeiro, que rolou esta homenagem:
“Eu
queria ser ator.
Queria
ser Sons de peito aberto. Gestos em punhos decididos. Segredos pelo canto da
boca. Expressões verdadeiras a altura dos olhos/Eu queria sentir o gosto frio
do falso beijo.
Não
ser triste e chorar/Revelar-me na fotoquímica das telas e sorrir sem ser alegre/Eu
queria ser feliz. Ser ator/Eu queria desnudar-me sobre o tablado diante da
Intimidade da platéia/Eu queria ser emocionante. Risível. Medonho. Asqueroso/Eu
queria ser ardiloso na penumbra de uma trama maligna e inocente, na singeleza de
um doce romance/Eu queria viver a vida de todos os homens-mulheres em mim/ E não
ser ninguém/Não ser nenhum personagem./Ser feliz. Ser ator/Eu queria morrer dramaticamente
Para a multidão/E viver Serenamente em mim/Eu queria, na vida real, ser ator.
Sim,
eu queria”.
beautiful!
ResponderExcluirCarmen Filha