sábado, 7 de julho de 2012

crônica da semana


Férias

Antigamente sabe aonde a gente passava as férias? No Tenoné. É vera. Tenoné, dantes, era interior. 
E era um custo pra mamãe deixar. Havia de se dispensar muito papo, muitas juras e declarações pra ela acenar com uma possibilidade assim, assim, remota. 
A cidade que a gente admitia, ia só até um pouquinho antes de bem acolá. Para nós, não ia muito além dos campos do Areal. E mamãe rezava na cartilha do filho próximo. O próprio Souza, o bairro, já era muito longe (tanto que as sedes pr’ali, herdaram o adjetivo ‘campestre’). Ali da Pedreira, nossos limites eram as matas da Aeronáutica, à margem da Dr. Freitas (coincidentemente o mesmo limite verde do primeiro plano urbanístico de Belém). 
Um horizonte muito perto resultou em poucas saídas de férias (além da pouca, da raríssima grana). Uma semana na casa da tia Irá (‘trouxeste short?’), no Acará; uns dias que me mataram de saudade da mamãe, no Mosqueiro; e umas escapulidas pro Tenoné, compõem os mais entusiasmados relatos das minhas férias, naqueles tempos idos que não mais voltam. 
O jeito era inventar. Costumo dizer que, naquela época, eu passava as férias no Ver-o-Peso. E não minto. Fazia uma tarde boa, era a senha: juntávamos a nossa patota da Mauriti, cada um com a sua lata cheia de minhocas, uns quantos anzóis, um estirão de linha e tomávamos o rumo (muitas vezes a pé) da Praça do Pescador. 
Por outra, deixávamos a pescaria de lado e nos batíamos para o Areal. Aquele lugar era o paraíso da molecada. Uma área imensa, toda nossa. Havia sábados que o Areal parecia um formigueiro de tanta gente. Cada turma ocupava uma fatia daquela planície maravilhosa. Sem arenga, sem maldades, a não ser aquelas pertinentes e permitidas no reino do futebol de rua. Nosso ‘campo de sonhos’ ficava no final da Visconde de Inhaúma, e ia até perto da Dr. Freitas, ou seja, um pé para um banho gelado no igarapé do Zé. Menino, sabe o que arruma. Mamãe se pelava de medo, recomendava não ir, mas quem disse que moleque tem tino. Ao cair da tarde, a gente sem nem poder enxergar mais a bola, davam-se por encerradas as pelejas (fosse qual fosse o placar: dez a oito; cinco a quatro; treze a treze...) e saíamos às carreiras, com mais de mil, para um mergulho proibido. 
Estas aventuras sempre davam em problemas em casa. Haja explicações, novas promessas, um castigo brando, mas nas férias tinha um desconto, né, e mais com pouco, as coisas se ajeitavam para entornarem mais adiante de novo, e assim a gente curtia o mês de julho. 
Tenho umas pendências com esse negócio de ambiente restrito, com falta de grana (não sei contar um isso de Salinas, por exemplo, nas minhas férias de infância, aliás, o que tenho guardado de Salinas, são as mentiras que escrevia na redação, logo quando as aulas tornavam. Mas eu fantasiava muito. Contava causos do ‘Sal’, que nunca existiram. O que rolava mesmo, com muita freqüência e intensidade, era o Veropa, era o Areal). Por isso, agora, com os meus meninos, faço um esforço, aperto aqui, espremo ali, e faço gosto que eles atravessem os limites da Primeira Légua. Na maioria das vezes, vieram aqui para Barcarena, conformarem-se às águas doces do Caripi. Mas também, e de uns tempos pra cá temos priorizado este destino, subiram e desceram dunas, nas praias encantadas de Algodoal. Fizeram até viagem para o sul do Pará, meus pequenos, quando nem sabiam pronunciar direito a palavra Parauapebas. 
Antigamente sabe aonde a gente passava as férias? No Tenoné. É vera. Tenoné, dantes, era interior e o tempo não era assim, de passar o dia todo chovendo e fazer frio à noite, em pleno Julho. 

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