sexta-feira, 13 de maio de 2011

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Morde e assopra a metalinguística 
  Quando vi o título da novela das sete, desconfiei de prima. Fiquei num pé e noutro. Pra mim, formalmente, só existia o verbo ‘soprar’. Essa forma aí, ‘assoprar’ não existia não. Tenho uns macetes pra entender por dentro certas palavras. Faço correlações, comparações, as aproximo, as distancio. Aos verbos, por exemplo, procuro termos ali perto, para ratificá-los. Priminhos substantivos, por exemplo (e a gente fala que o camarada tem um ‘sopro’ no coração ou um ‘assopro’?). Bom, mas achei nos compêndios respeitados: soprar e assoprar significam a mesma coisa e podem concorrer em uso e funções. Não posso fazer nada. Tenho que me acostumar com o morde e assopra no início da noite.
Veio bem a calhar, esta inquietação. O tempo é de reforma ortográfica. Estamos no limiar da tolerância para nos adaptarmos às novas regras. Daqui a alguns meses, ai de quem não se enquadre. Pode submeter-se a ralhos indefensáveis e incansáveis patrulhamentos. Roguemos, porém, por um descontinho, porque se a gente for reparar, a reforma ortográfica em si, é uma arte que morde e assopra.
Tenho me batido com esta dicotomia. Olhando assim de repente, pode parecer que eu seja fiel à reforma porque descartei o trema (lá em cima no título. Também, nunca usei mesmo). O certo é que sou mais atento que fiel. Pra outros tópicos da reforma, tenho críticas. Sou renitente. Sofro. Algumas supressões me doem. Ver uma ‘ideia’ sem acento provoca em mim um sentimento de perda imenso. Me contamina o sangue. É como se eu tivesse perdido um rim. A extinção do circunflexo nos ‘és’ e ‘ós’ dobrados (como em ‘vêem’ e ‘vôo’) me causam enfado, me deixam cego, pegajoso, preso ao chão. Dobro-me rastejante de insatisfação e tristeza. Sinto-me como um réptil kafkiano que tem os olhos delidos. Aos que me lêem agora, saibam que a esta nova regra, em especial, por vezes e sem culpas, serei desatento.
E o que será de nós sem o ecletismo de uma baiúca, sem os encantos da boiúna, sem a malícia lusitana de uma saiínha cheiínha de folhos, sem o legado paroxítono de Quintino? Vamos ter que nos conformar com a extinção dos charmosíssimos acentos nos ‘is’ e ‘us’ em nomes como o do republicano Bocaiúva, que muito sonoramente são antecedidos por ditongos. É chato, né, ofuscar os sons, mas é a lei.
Outro dia, numa conversa informal, um pequenozinho meio metidão, dizque escolado nas alquimias acadêmicas, corrigiu um outro bem mais humilde de graduação, quanto o uso do hífen, dizendo que este tracinho havia saído de circulação. Não é verdade. O hífen continua rente como pão quente, suportando as pérolas siamesas da nossa língua, espelhando a partícula reflexiva, transitando rés-os-objetos direto e indireto, organizando a separação silábica.  O hífen não morreu não. Tem muito, ainda, a nos dar.
Agora, nas palavras siamesas, o hífen ficou meio azuruote. Não sabendo muito bem pra onde ir. Algumas construções perderam o tracinho, em compensação, outras ganharam. A trajetória do hífen, nesta reforma, como diz a loira desavisada, deu uma volta de 360 graus. Não saiu do lugar. Mexeram muito para ficar do mesmo jeito. Eu vou fazer como dantes no meu mundo de Amarantes. Como eu sei que ele não caiu, farei como sempre fiz: vou ao dicionário ou a uma gramática atualizada, toda vez que precisar aplicar uma palavra composta. Há sempre o risco de errar.
A reforma tá na biqueira. Já há muitos textos adestrados. Há um sentido globali[z]ante nessa nova organização. Mas traz mudanças acanhadas. Quero saber quando é que vão mexer com o ‘zê’. Aí, sim, vai ser uma alteração substancio[z]a.

2 comentários:

  1. LEGAL, caro Raimundo.
    Como você já sabe, costumo postar seus textos no meu humilde blogue. Este eu vou inserir na série LÍNGUA PORTUGUESA. Eu, tal qual você, também me interesso pelo idioma de Camões.
    Um bom domingo.

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  2. oi sodré, eu acho que ia ficar estranho "morde e sopra". prefiro "assopra" mesmo. eu não gosto da reforma, mas tenho que aprender. já comprei vários livros explicando essa complicação que fizeram com a nossa língua. boa semana.

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