sexta-feira, 20 de maio de 2011

Crônica da semana

Pedaço de mim
Sempre quis escrever alguma coisa que tivesse o amparo da palavra balaústre. Antes, me aviei para entender o significado deste termo estraninho. Não adiantou muito. Topei com esta trôpega ajuda: balaústre quer dizer ‘a  parte lateral da voluta do capitel jônico’. Vê-se que de pouco adiantou a minha visita ao dicionário. Depois, fuçando em outras fontes, achei uma definição boa de entender: é ‘uma coluna ou um pequeno pilar’. Fiz porque fiz de ir atrás, Porque quero falar da balaustrada que suporta o corrimão daquela escadinha que sobe a Presidente Vargas. Tá quebrada, sabia?
Aquele conjunto que margeia o prédio do Ministério da Fazenda, por sorte, ainda está preservado. Mas este daqui, que faz fronteira com o casario da Castilhos França... Tá estiolado. Falta-lhe as peças do pontal (que tem uma estrutura meio que piramidal pra lá de elegante, digna de ornar as refinadas margens parisienses do Sena) e uma fieira representativa de balaústres. Acho que só restou ali, um terço do compassado corrimão e este pouquinho, diga-se, tá pra cair no nosso pé.
(Sobre o balaústre, vale a pena, ainda, lembrar um amigo lá das matas transamazônicas que usava esta palavra, deduzíamos nós, como sinônimo de parapeito e quando a pronunciava, o fazia com categoria e arrogância, acho que porque sabia que ninguém sabia que diabos de palavra doida era aquela. E ele exagerava. Trocava o ‘u’ por um ‘o’ como o de ostra e estendia o ‘ésse’ assim “balaosssssssssstra”. Aquilo era um encanto compulsório para nosotros e era também, a realização de uma empáfia sem medida para ele. Hoje fico imaginando aquele amigo num tabuado elevado, na frente da casa dele, pressionando o ventre relaxado sobre um aparador moldado em tariscas de madeira, com pontas passantes e assuntando, lá ao longe, o Xingu a se enervar volumoso ante os ataques de diques, barragens, maquinário pesado, insossas idiossincrasias ecológicas e salgados oportunismos políticos. Receio que meu amigo vai ficar sem o seu mirante, e sem a emblemática balaosssstra).
Aquela subida da Presidente Vargas poderia ter sido construída de qualquer jeito. Rampada, escalonada em degraus desconcertados, em caracol de terra batida. Em talude suave. Em pedras falsas. Com descaso ou ócio. Mas não. Alguém resolveu dar um estilo àquela ladeira. Dispôs duas escadas cuidadosamente trabalhadas em ambos os lados da avenida com um corrimão em curva projetando-se discretamente sobre o leito da rua. Tenho a impressão que entre uma precisão ou outra ali no centro, o cidadão belemense preferencialmente utiliza aquele acesso. Talvez nem se dê conta das imponências que se encerram na simetria daquele recatado elemento urbano. Mas asseguro que elas existem. Exibem o orgulho de uma cidade engalanada. Ou pelo menos, outrora engalanada.
Parece uma viagem minha, né. A cidade indo ao fundo, lixo indo e vindo insigne e farto, subúrbios esquecidos e eu me preocupando com frios pedaços de concreto abduzidos de uma ladeirinha de nada. Patetice minha.
Perdoem-me. Rogo, porém, para que a Geografia me acuda e ratifique o centro da cidade como sendo um ponto de união. Um eixo de ligação entre os tantos vieses suburbanos. Como a alma coletiva viva e reincidente. Os bairros são livres articulações de propósitos, cores e identidades (eu sou da Pedreira, do samba, do amor; fulana é do Telégrafo, bairro dos artistas...). O centro, por sua vez é o espaço de imersão coletiva em um só corpo, em uma só alma (Somos todos Círio de Nazaré). Por isso me preocupo com o pedaço de história que falta na subida da Presidente Vargas, em mim e em vós.

Um comentário:

  1. senti como se estivesse lendo um artigo sobre arquitetura!!!! conhecimento nunca é demais né?!!! aprendi palavras novas. bom fim de semana.

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