sábado, 26 de abril de 2025

crônica da semana - agulha e linha moda

 Agulha e linha

Eu já contei aqui o vexame que passei por não entender os códigos do vestir social. Relembro: convidado para um evento que exigia traje passeio completo, logo me aviei na bermuda, camisa polo e percata. Na última hora quedei-me a calça comprida e sapatos. Mantive a camisa polo do Paysandu que à época era peça mais cara que eu havia agregado ao meu vestuário. Quando cheguei ao local da festa, tomei um choque, que só não foi maior que o espanto que tomou conta dos meus anfitriões. Estava todo mundo no mais chique dos panos. Os convidados exibiam-se em paletós, blazeres, as mulheres montadas nas mais vistosas maquilagens e em longos finíssimos. Pra completar a derrota, ao entrar, tínhamos que posar para a foto oficial da festa. A cara do fotógrafo foi de um descontentamento total. Eu, obviamente, me senti deslocado. Me acomodei numa mesa de canto, e fui reiteradas vezes confundido com um serviçal do bufê pelos convivas que se distribuíam ao largo, além de, indisfarçadamente ignorado pelos garçons que atendiam no espaço. Só fui beliscar uma coisinha quando um atendente se apiedou de mim. Aí eu fiz um derrame de chopinhos e aloprei nos acepipes.

Foi patetice minha, deveria ter feito uma pesquisa, catado umas dicas pra saber como se vestir nessas ocasiões. As fontes são várias. E olha que eu era fiel à coluna da Regina Martelli, no Jornal Hoje. A jornalista, de certa forma popularizou a narrativa, até então, distante da moda. Eu admirava a descrição que ela fazia dos modelos apresentados em várias reportagens que ela fazia e que envolvia desfiles, cobertura de festas, eventos, figurinos de filmes e shows musicais. De verso fácil, Regina construía graciosos discursos coordenados do tipo “ tricôs leves com brilho, maxicolares étnicos e estampas, desde as florais até as geométricas. Os sneakers não ficam de fora e continuam com tudo. As mulheres adoram salto e os sneakers proporcionam uma cara mais descolada, mais esportiva...” Eu me passava pra esses dizeres precisos, indutores, formadores de imagens.

Enquanto a mídia nacional contemplava uma abordagem mais abrangente da moda e também, admitia a ligação entre o ato de vestir-se bem com a sensação de sentir-se livre, aqui no campo doméstico tínhamos as nossas expressões na arte de coser. E que se ratificavam em camadas integradas de criação e consumo. Nossa terra ostenta nomes bem cerzidos na história como o de Lelê Grello. Já projetou o brilho de Dener para mundo. E também bancou circuitos populares de tal forma potentes, que arregimentavam as ativistas da agulha e linha de áreas afastadas do centro. Aqui na família, lembro das participações na Femip. Era na, hoje, praça Waldemar Henrique. Fazia um sucesso extraordinário, a feira, todo mundo baixava lá para ver nossas manequins exibindo modelos produzidos nos quatro cantos da cidade. A família aqui da Pirajá se organizava para prestigiar a etiqueta ‘Marilene Arte’, marca emergente da nossa estilista carinhosamente chamada de tia Churuca. Profissional requisitada por 10, entre 10 amantes da arte do corte e costura.

Revivi esta atmosfera por agora quando participei da Semana de Moda Amazônica. A mostra contou com um elenco incrível de talentos da região. Os desfiles apresentaram uma leitura ousada na composição visual das peças, com ênfase às cores de referências amazônicas e também a materiais adaptados ao conceito da sustentabilidade. Impressionado fiquei com os modelos apresentados na técnica macramê em tecidos forjados de sacolas plásticas. Um encanto produzido pela premiada figurinista Laila Maia.

Estas experiências, o contato de perto com os talentos, a seriedade da idéia de uma postura libertária diante das exigências de um mercado oxigenado pelo glamour, me dão a chance de revisitar meus constrangimentos. Sem trauma por não decifrar os códigos de um traje passeio completo.

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