Agulha e linha
Eu
já contei aqui o vexame que passei por não entender os códigos do vestir
social. Relembro: convidado para um evento que exigia traje passeio completo,
logo me aviei na bermuda, camisa polo e percata. Na última hora quedei-me a
calça comprida e sapatos. Mantive a camisa polo do Paysandu que à época era
peça mais cara que eu havia agregado ao meu vestuário. Quando cheguei ao local
da festa, tomei um choque, que só não foi maior que o espanto que tomou conta
dos meus anfitriões. Estava todo mundo no mais chique dos panos. Os convidados
exibiam-se em paletós, blazeres, as mulheres montadas nas mais vistosas
maquilagens e em longos finíssimos. Pra completar a derrota, ao entrar,
tínhamos que posar para a foto oficial da festa. A cara do fotógrafo foi de um
descontentamento total. Eu, obviamente, me senti deslocado. Me acomodei numa
mesa de canto, e fui reiteradas vezes confundido com um serviçal do bufê pelos
convivas que se distribuíam ao largo, além de, indisfarçadamente ignorado pelos
garçons que atendiam no espaço. Só fui beliscar uma coisinha quando um
atendente se apiedou de mim. Aí eu fiz um derrame de chopinhos e aloprei nos
acepipes.
Foi
patetice minha, deveria ter feito uma pesquisa, catado umas dicas pra saber
como se vestir nessas ocasiões. As fontes são várias. E olha que eu era fiel à
coluna da Regina Martelli, no Jornal Hoje. A jornalista, de certa forma
popularizou a narrativa, até então, distante da moda. Eu admirava a descrição
que ela fazia dos modelos apresentados em várias reportagens que ela fazia e que
envolvia desfiles, cobertura de festas, eventos, figurinos de filmes e shows
musicais. De verso fácil, Regina construía graciosos discursos coordenados do
tipo “ tricôs leves com
brilho, maxicolares étnicos e estampas, desde as florais até as geométricas. Os
sneakers não ficam de fora e continuam com tudo. As mulheres adoram salto e
os sneakers proporcionam uma cara mais descolada, mais esportiva...” Eu me
passava pra esses dizeres precisos, indutores, formadores de imagens.
Enquanto a mídia nacional contemplava uma
abordagem mais abrangente da moda e também, admitia a ligação entre o ato de
vestir-se bem com a sensação de sentir-se livre, aqui no campo doméstico
tínhamos as nossas expressões na arte de coser. E que se ratificavam em camadas
integradas de criação e consumo. Nossa terra ostenta nomes bem cerzidos na
história como o de Lelê Grello. Já projetou o brilho de Dener para mundo. E também
bancou circuitos populares de tal forma potentes, que arregimentavam as
ativistas da agulha e linha de áreas afastadas do centro. Aqui na família,
lembro das participações na Femip. Era na, hoje, praça Waldemar Henrique. Fazia
um sucesso extraordinário, a feira, todo mundo baixava lá para ver nossas
manequins exibindo modelos produzidos nos quatro cantos da cidade. A família
aqui da Pirajá se organizava para prestigiar a etiqueta ‘Marilene Arte’, marca
emergente da nossa estilista carinhosamente chamada de tia Churuca.
Profissional requisitada por 10, entre 10 amantes da arte do corte e costura.
Revivi esta atmosfera por agora quando
participei da Semana de Moda Amazônica. A mostra contou com um elenco incrível
de talentos da região. Os desfiles apresentaram uma leitura ousada na
composição visual das peças, com ênfase às cores de referências amazônicas e
também a materiais adaptados ao conceito da sustentabilidade. Impressionado
fiquei com os modelos apresentados na técnica macramê em tecidos forjados de
sacolas plásticas. Um encanto produzido pela premiada figurinista Laila Maia.
Estas experiências, o contato de perto com os
talentos, a seriedade da idéia de uma postura libertária diante das exigências
de um mercado oxigenado pelo glamour, me dão a chance de revisitar meus
constrangimentos. Sem trauma por não decifrar os códigos de um traje passeio
completo.
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