Sem controle
O
domínio das mais variadas vivências que experimentamos ao longo dos tempos
passa pela utilização, a mais serena e eficaz possível, de ferramentas de
controle que nos amparam no campo emocional, na esfera da convivência social,
nos limites do nosso humor, na competência de nossos dons, no desenvolvimento
de uma carreira acadêmica ou profissional. Estando o controle ativado, em dia, com
as pilhas carregadas, a chance que temos de abalizar destinos é alta e de
aplicável previdência. A bronca é quando o controle não responde, quando se faz
na bruma incerta, gris, densa do desnorteio.
As
minhas entradas pelos enredados da floresta amazônica eram marcadas sempre pelo
descontrole, aliás, descontrolar-me era requisito para a realização de
demandadas, para o cumprimento das programações requeridas.
Era
comum, normal, a cada desafio, eu repetir de mim para mim, a mesma pergunta...
O
carro parava em um ponto ermo da estrada, ou mesmo a lancha nos deixava à
margem esquecida de um rio poderoso. A gente desembarcava, arrumava as tralhas,
a garrafa com água, o di cumê que tinha, e mirava à frente. Logo, a equipe
remancheava, dava de ombros. Um tecia um cigarrinho fino, outro procurava moita
para uma desobriga de fundo nervoso, este se descalçava para ajeitar o meião,
aquele jogava pedra ao longe denunciando indissimulada inquietação.
Eu
perdia um tempo divisando aquela imensidão de mata intocada nos esperando,
especulava a existência ali de muitos perigos. Abismos, redemunhos, bichos
brabos, cobras grandes, onças famintas, espinhos e ervas de toda sorte daninhas
e traiçoeiras. E me perguntava, sob controle total de minhas posses, quem, meu
pai do céu, que tem coragem de entrar aí? A resposta surgia intensa e imediata:
eu.
Da
feita que eu dizia ‘umbora lá, gente’, a peãozada largava o que estivesse
fazendo e rumava atrás. Íamos varando. E a partir daquele instante eu me
revelava sem nenhum controle, me entregava ao transe, não reconhecia medo, mau
pressentimento, frio na espinha. Uma cisma sequer se animava. Tinha que ser
assim, caso contrário, em plena sanidade, não aparecia coragem para encarar a
exuberante floresta amazônica.
Agora,
tem outras formas de descontrole, menos carregadas na emoção que cruzar rios e
matagais. E tô pra ver, bater nas TVs de hotel.
Por
agora, tenho cumprido a necessidade de viajar e pernoitar em hotéis. Dá-se que
fui surpreendido com desvios beirando à esquisitice. Uma clássica: se a gente tem
o controle remoto da TV ou de qualquer aparelho eletrônico exatamente para
evitar que a gente gaste energia chegando até ele, ocorreu a negação desta propriedade.
O atendente me levou ao quarto, me mostrou os componentes da acomodação, ligou
o ar remotamente, mas quando apontou o controle para a TV, nada. Aí reagiu como
todo mundo reage, se danou a clicar descontroladamente. A TV não ligou. Meio
sem jeito foi se aproximando do aparelho até ficar bem pertinho. Clicou e...
Fiat lux! A bicha acendeu. Ou seja, a TV sem controle só atendia em local. Para
ter sucesso o controle ‘remoto’ só agia se acionado de palmo em cima. Já viu
isso?
Entretanto
a mais assustadora e constrangedora, para mim que creio pouco, foi a situação
que identifiquei na jornada em outro hotel, pras bandas de Barcarena. A TV até
que era obediente ao controle remoto. Ligava na boa. Mas extremamente reativa
quanto à diversidade da programação, inapelável quando a negação ao meu direito
da liberdade de expressão ou preferência. Só sintonizava um canal, o de um
fervoroso pregador. Por mais que eu empurrasse a setinha pra cima, ou pra
baixo, e que o indicador do led mostrasse a recepção do comando, somente o
fervoroso se reproduzia pleno na tela, a cada variação de sintonia. Eu, heim,
fiquei até com medo. Parecia uma provação. É por isso que este país tende ao
hermetismo religioso. É muita pressão. Sem controle.
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